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Simone de Beauvoir e o conservadorismo no Brasil

Uma questão do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), realizado no dia 24 de outubro, rendeu comentários nas redes sociais e programa evangélico.

A questão iniciava com a frase conclusiva da filosofa e militante Simone de Beauvoir (1908 - 1986) “Ninguém nasce mulher: torna-se mulher.” Esta frase abre o primeiro capítulo da primeira parte do volume 2 da obra “o Segundo Sexo” que foi publicada em 1949 na França.

Mas mais de 600 páginas de sua obra, Simone de Beauvoir vai buscar responder a questão o “que é uma mulher?”  e chega a conclusão que “Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto intermediário entre o macho e o castrado que qualificam o feminino.”

O que Simone de Beauvoir esta afirmando é que aquilo que “naturalmente” se acredita como atributos da mulher, como o trabalho domestico de lavar, passar, cozinhar, arrumar a casa, ou mesmo, o cuidado dos filhos e claro do marido, na verdade são construções sociais, papeis definidos socialmente e não algo da natureza da mulher. Esse tipo de construção se deu historicamente, começa na infância como as brincadeiras, meninas brincam com bonecas, que representam os “filhinhos” e faz a comidinha, já os meninos a brincadeira é com carrinhos, futebol e por ai vai. Frases tão popular como “lugar de mulher é na cozinha” ou no transito “só podia ser mulher”, marcam culturalmente a subordinação da mulher.

Mas Simone de Beauvoir toca em questões mais profundas, como o aborto, a dominação masculina e a desqualificação cultural da feminilidade, entre outros temas, que ainda hoje são tabus.

A questão de gênero é tema bem atual, segundo uma pesquisa do  Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) de 2009 mostra que o Brasil apresenta um dos maiores níveis de disparidade salarial. No país, os homens ganham aproximadamente 30% a mais que as mulheres de mesma idade e nível de instrução, quase o dobro da média da região latino americana (17,2%), enquanto na Bolívia a diferença é muito pequena. Outro dado preocupante é que segundo do Mapa da Violência de 2012, o Brasil tem a 7º maior taxa de morte de mulheres entre os 84 países pesquisados, sendo que quase 69% ocorrem dentro da casa da vitima, via de regra, o parceiro é o assassino.

A reação conservadora à questão do Enem, muita bem relatada na matéria do site do Sindicato Químicos Unificados -  (http://www.quimicosunificados.com.br/14313/%E2%80%9Cintelectuais-da-unicamp-estao-rindo-da-burrice-da-camara-de-campinas%E2%80%9D/), vão de comentarios nas redes sociais por parte dos deputados federais Jair Bolsonaro (PP/RJ) e Marco Feliciano (PSC/SP) , passando pela aprovação de moção de repúdio na Câmara de Vereadores de Campinas e as declarações do Pastor Silas Malafaia, que no programa de televisão denominado “Vitória em Cristo” que foi ao ar no último sábado, afirmou “a ideologia de gênero é a destruição da família, para uma massa de informes para ser manipulada por uma elite política” e arremata dizendo “que conversa é essa que ninguém nasce masculino ou feminino?”.

A questão a se fazer é, quem esta manipulando quem? Encoberto com um discurso pretensamente religioso, de defesa da família, a concepção de Estado laico vai sendo  atacada, juntamente com a possibilidade de liberdade. 

Mais do que se tratar de uma burrice, como afirmou a colunista do Jornal espanhol El Pais, Eliane Brum,  os fatos mostram um processo de articulação do pensamento conservador em ataque direto ao posicionamento mais progressista, bom lembrar, que meses atrás, em diversos Estados e municípios os Planos de Educação foram aprovados sem a questão de gênero.

 Pertencemos a raça humana e o não querer debater as diferenças de gênero é continuar tolerante às desigualdades e a exploração, combater o conservadorismo é mais uma batalha para o avanço da luta de classes no Brasil.

Paulo Soares

Paulo Soares |
Membro da direção da Fetquim