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De norte a sul e nas relações internacionais, Brasil clama por choque civilizatório

Sempre soubemos quem é Bolsonaro. Já conhecíamos algumas de suas piores ideias antes mesmo das eleições presidenciais de 2018. Ainda assim, é chocante nos depararmos com as trágicas consequências do endosso do presidente à barbárie, que legitimou a externalização dos piores sentimentos de parte da sociedade brasileira.

Todos os absurdos com os quais temos nos deparado reforçam a urgência de um pacto civilizatório, a partir da união de diferentes, mas que comunguem de uma agenda mínima compromissada com os valores humanos mais básicos.

Por outro lado, fica a impressão de que, diante da grande possibilidade de derrota nas urnas, tem sido alimentada, nas últimas semanas, certa ânsia pelo reforço de valores e práticas bárbaras que atentam contra a dignidade de mulheres, homens e crianças.

Na semana em que uma menina de 11 anos, vítima de estupro, foi, em Santa Catarina, psicologicamente torturada por uma juíza e uma promotora que tentaram impedir o aborto legal, a “diplomacia brasileira” tenta impedir, na ONU, a aprovação de resolução que menciona o direito reprodutivo e sexual das mulheres.

Ainda esta semana, chocaram o País as imagens em que a procuradora-geral da Prefeitura de Registro (SP) foi brutalmente espancada por um subordinado que já era alvo de processo disciplinar.

No Amazonas: o brutal assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips – vozes resistentes em defesa da maior floresta tropical do mundo e seus povos originários, ambos recorrentes alvos de ataques da política da morte e do ódio propagada por Bolsonaro.

O competente jornalista e ativista Leonardo Sakamoto listou ainda outros episódios em que a barbárie brasileira nos indignou, não ao longo dos 3 anos e meio deste desgoverno, mas apenas ao longo do último mês.

Em Sergipe, sob protestos da população, um homem desarmado, com problemas de saúde mental, foi assassinado por policiais federais rodoviários federais em câmera de gás improvisada no porta-malas da viatura. A vítima foi abordada por dirigir uma motocicleta sem capacete – mesma infração que vem sendo reiteradamente cometida por Bolsonaro nas motociatas eleitoreiras pagas com dinheiro público.

E não podemos esquecer da última chacina promovida pelo BOPE e pela Polícia Rodoviária Federal do Rio de Janeiro, que terminou com 23 mortos, na Vila Formosa, onde a comunidade foi deliberadamente atacada.

Não é mais possível seguir com a percepção de que as tragédias acima são fatos isolados. Precisamos nos fortalecer e nos apropriar de argumentos para dialogar sobre elas, não apenas com companheiras e companheiros de sindicato, mas em todas as nossas relações sociais: no trabalho, na escola, nas comunidades, nas igrejas, com vizinhas/os, na família, nas redes sociais.

Este “trabalho de formiguinha” é tão importante quanto as relações da macropolítica, nas quais o movimento sindical precisa estar inserido, inclusive, com o aprimoramento das conexões globais junto a governos e entidades da sociedade civil internacionais.

Para nos estimular a trabalhar por essa transformação, termino com os versos da nova obra de Chico Buarque: "Puxar um samba, que tal?; Para espantar o tempo feio; Para remediar o estrago (...) Cair no mar, lavar a alma; Tomar um banho de sal grosso, que tal?; Sair do fundo do poço; Andar de boa (...) Depois de tanta mutreta; Depois de tanta cascata; Depois de tanta derrota; Depois de tanta demência; E uma dor filha da puta, que tal?".

Lucineide Varjão Soares

Lucineide Varjão Soares |
Dirigente da CNQ e vice-presidenta da IndustriALL Global Union para a América Latina e Caribe