“O Brasil tem 515 anos de história oficial e quase 400 anos de escravidão. Se imaginássemos uma pessoa de 40 anos que tivesse vivido três quartos de sua vida sob escravidão, ela teria vivido a vida dela quase toda nesta condição e, os últimos 10 anos da vida sem escravidão, teria sido recortado por duas ditaduras. Como, então, seria a mentalidade desta pessoa, o perfil psicológico dela?”
Foi assim que iniciou a fala do professor e militante do movimento negro, Douglas Belchior, na abertura do 1º Seminário de Direitos Humanos em São Paulo, organizado pelo Fórum dos Movimentos Sociais do Estado de São Paulo, realizado nesta sexta (19), na Assembleia Legislativa paulista.
Para Douglas, a sociedade brasileira é fruto da história vivida no país, do processo de violência radical. O cenário de violação dos direitos humanos, segundo ele, é resultado disso. “Mas também somos donos de uma história de luta, de força e de organização. É dialogando com esta realidade que a gente precisa pensar política”, avalia.
O advogado popular dos movimentos sociais, Aton Fon Filho, acredita que a transição democrática é incompleta até hoje. Ele reforçou que se na época do regime militar, a classe média era protagonista contra a ditadura e na defesa dos direito humanos, hoje essa classe mudou e vai às ruas pela redução da idade penal e pela pena de morte.
"Isso aconteceu não por falta de trabalho na periferia, mas porque a população mais pobre viu sua condição de vida melhorar e porque os ricos nunca ganharam tanto como nos últimos dez anos. No meio disso, a classe média foi quem perdeu e por isso foi para a oposição, onde é manipulada pela mídia com as várias propostas de violação direitos humanos. É preciso ver isso para perceber que o problema é de ordem político econômica.”
Professora Dra.de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Esther Solano destacou que o momento é de desintegração de direitos. “Temos que nos mobilizar urgentemente contra a redução da maioridade penal e tomar as ruas de forma maciça. Temos um Eduardo Cunha [presidente da Câmara] que fala barbaridades e isso é inadmissível”, reforçou.
Para o secretário de Segurança Urbana de São Bernardo do Campo, Benedito Mariano, “os movimentos sociais e sindical poderão ter um papel estratégico de induzir os governos de esquerda a construir um pacto com a sociedade civil organizada. E a defesa intransigente das conquistas dos últimos anos tem que ser pauta prioritária, começando pela defesa do ECA [Estatuto da Criança e do Adolescente] e contra a redução da maioridade penal”, disse.
Nesta semana, a Câmara decidiu a favor da redução da maioridade penal para crimes hediondos, roubo qualificado, homicídio doloso e lesão corporal grave, seguida de morte. Outra votação se dará no dia 30 de junho. Esther relacionou esta pauta nacional ao conservadorismo do governo de São Paulo.
“Estamos diante de um estado que não oferece políticas públicas adequadas e que apoia a redução da maioridade penal, porém, não em uma realidade baseada em dados, mas com uma política eleitoreira que fomenta o senso comum, o ódio e a intolerância. O estado de São Paulo faz uma política higienista, que encarcera, que tem a repressão direta e indireta”.
Ao final das primeiras falas, os participantes, motivados pelo Levante Popular da Juventude, entoaram um grito de ordem contra a redução da maioridade penal.