Diversas categorias de trabalhadores e trabalhadores estiveram juntas na manhã de terça-feira (26/2) em um amplo protesto contra a decisão da montadora americana Ford de fechar a unidade de produção de caminhões e do modelo Fiesta no ABC Paulista. Cerca de 3 mil pessoas se dispuseram a ficar debaixo de chuva, participando ativamente do ato.
Os cortes de pessoal devem atingir 2,8 mil empregos diretos e 1,5 mil vagas terceirizadas. No entanto, segundo estimativas de quem acompanha o caso de perto, o efeito indireto da decisão da Ford deverá chegar a cerca de 27 mil pessoas, incluindo toda a cadeia automotiva, e, portanto, atingindo também os fabricantes de peças, borracha, vidros, química e petroquímica.
O fim de linha para a fábrica da Ford no ABC Paulista significa também o encerramento da produção dos caminhões Cargo, F-4000, F-350, além do carro Fiesta. A companhia segue com uma unidade em Taubaté, no interior de São Paulo, e outra em Camaçari (BA). A medida, de acordo com a montadora, faz parte do plano de reestruturação regional, que tem como objetivo o “retorno à lucratividade sustentável de suas operações na América do Sul”. Os modelos deixarão de ser vendidos tão logo os estoques estejam zerados. A multinacional deve se dedicar, apenas, à produção de SUVs e picapes.
BNDES
Nas últimas décadas, o apoio estatal tem sido fundamental na expansão da indústria automotiva no Brasil, seja por meio de renúncia fiscal, seja pelas linhas de crédito disponibilizadas pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Só nos últimos três anos, o banco emprestou R$ 11,13 bilhões ao setor.
Esse valor é 65% maior do que o registrado nos três anos anteriores, entre 2013 e 2015, fase em que as montadoras viveram uma de suas piores crises no país. A Ford obteve R$ 5.512.052.854 com contratos firmados em 2005, 2008, 2014 e 2017. Foi o quarto maior valor no acumulado entre 2002 e 2018, como mostra o site do BNDES. À frente da Ford, estão apenas a FCA, a Mercedes-Benz e a CNH Industrial. No intervalo entre 2016 e 2018, foram financiados, para a montadora americana, R$ 596.878.570.
Por meio de nota, o banco informou que empresas que contratam recursos e que promovem cortes em seus quadros de pessoal são obrigadas por contrato a oferecer contrapartidas. “Caso um projeto apoiado pelo Banco implique a redução do quadro permanente de pessoal da montadora, a tomadora de recursos do BNDES obriga-se contratualmente a oferecer programa de treinamento voltado para oportunidades de trabalho na região e/ou programa de recolocação dos trabalhadores em outras empresas”. No caso de São Bernardo, trata-se de uma unidade fabril antiga, que passou a ser controlada pela Ford em 1967, quando a montadora adquiriu a Willys-Overland do Brasil.
Ainda segundo informou o BNDES, seus financiamentos a montadoras “têm por objetivos apoiar expansão/modernização da capacidade produtiva de suas plantas, bem como a pesquisa e o desenvolvimento/produção de novos modelos de veículos.”
O que dizem os patrões da Fiesp
Para André Rebelo, assessor de assuntos estratégicos da presidência da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), a situação de montadoras como Ford e General Motors, que, em janeiro, divulgou comunicado aos funcionários em que ameaçava deixar o país, não tem a ver com as novas tendências tecnológicas para o setor de mobilidade, como carros elétricos e os autônomos. Segundo ele, o problema está na queda de consumo no país, entre outras causas.
“O que vemos hoje é consequência da evolução estrutural do país e da dificuldade de se produzir aqui. Além de aspectos como tributação alta e o Custo Brasil, vimos um setor que, depois de chegar a um pico de produção, em 2013, com 3,850 milhões de unidades fabricadas, caiu para 2,880 milhões de unidades em 2018. Os entraves provocados pela adoção de padrões mais modernos terão impacto sim, só que mais adiante, não são a causa da decisão da Ford. O problema é que não tem demanda. A empresa não descontinuaria sua produção se a operação se pagasse”, analisa Rebelo.
Novas tecnologias
Em entrevista publicada no mês passado, Lucas Brossi, sócio da Bain & Company, avaliou que o momento desse setor é de grande transformação — talvez, a maior desde Henry Ford. “São desenvolvimentos nas áreas de carros conectados, elétricos, autônomos e serviços de mobilidade”, disse na ocasião. No caso da própria Ford, as apostas nessas inovações têm sido cada vez maiores. Em novembro passado, a montadora anunciou que espera iniciar as vendas de carros autônomos em 2021.
Ainda que com alcance muito pequeno dos modelos híbridos e elétricos no país, principalmente devido ao alto valor de venda, Brossi acredita que o avanço seja inevitável. A previsão, segundo ele, é que em 10 anos o país tenha de 20% a 30% de veículos elétricos em sua frota. “Com esse aumento nas vendas e o aperfeiçoamento das tecnologias, a tendência é de que o preço caia. E vai pesar na decisão do motorista o fato de ser um veículo muito mais econômico”, explicou o executivo da Bain.
Na mesma reportagem, o líder do setor automotivo da KPMG, Ricardo Bacellar, ponderou nessa direção. “A tecnologia tem aparecido de forma ainda mais enfática, com veículos elétricos e autônomos. A indústria não vai poder parar, ou perderá espaço para os novos competidores”, afirmou o executivo.
Veículo autônomo terá US$ 1,7 bi
Depois de um longo período de negociação, a alemã Volkswagen vai formar uma joint-venture com a Argo, braço da americana Ford, com a meta de investir US$ 1,7 bilhão em modelos de carros autônomos. A informação foi divulgada pelo Wall Street Journal. De acordo com a publicação, as duas montadoras entraram em acordo para transformar a Argo no núcleo da parceria, com a participação igualitária e a possibilidade de aportes adicionais de recursos da companhia alemã nos próximos anos.
Esse é mais um movimento de parceria entre concorrentes com o objetivo de encontrar alternativas aos atuais modelos que rodam pelas ruas, com motores a combustão. Esse tipo de união entre competidores serve para acelerar pesquisas e reduzir os custos nesse novo negócio.
A parceria começará com trabalhos em conjunto na área de produção de veículos comerciais leves. Pela atual estrutura, a Volks investirá em torno de US$ 600 milhões na Argo. Esse valor, segundo fontes do jornal, seria cerca de metade do que a Ford esperava no início das conversas.
A montadora alemã vai aplicar recursos da ordem de US$ 1,1 bilhão na forma de capital de giro para pesquisa e desenvolvimento (P&D) e poderá aumentar os ativos da Argo por meio da inclusão do grupo de tecnologia da Audi, que é especializado em estudos na área de direção autônoma. A companhia europeia também pode somar ao negócio a Moía, sua unidade de serviços de mobilidade. As duas divisões não seriam integradas à Argo em uma primeira fase do negócio.