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29 de Setembro de 2020

Prêmio Nobel Joseph Stiglitz diz que sindicato é fundamental pós-Covid


Escrito por: Agências


Agências

"Os sindicatos defenderam seus trabalhadores. O resultado é que, onde havia sindicatos fortes, havia mais máscaras, mais equipamentos de proteção individual. Os sindicatos foram cruciais na proteção dos trabalhadores e asseguraram que o contágio pela Covid-19 não se acelerasse tão rapidamente. Essas experiências bastam para mostrar a importância, o papel crítico que os sindicatos desempenharam na gestão da crise sanitária", afirma Joseph Stiglitz, prêmio Nobel de Economia (2001).

Em webinário (seminário na web) Joseph Stiglitz falou sobre os desafios apresentados pela pandemia do novo coronavírus e como, por exemplo, impulsionar a transição para uma economia mais sustentável, que invista nas pessoas, nos serviços públicos e na comunidade.

Em relação ao desemprego, disse que "muitos empregadores se aproveitam da posição de barganha enfraquecida dos trabalhadores"." Os salários estão caindo. Trabalhadores estão sofrendo, tendo de aceitar cortes nos ganhos. A única proteção contra esse tipo de exploração, são os sindicatos.”

“Esse é o momento em que os sindicatos são mais necessários do que nunca. Tornar os trabalhadores conscientes do que está acontecendo deveria fortalecer a filiação aos sindicatos. São exemplos importantes do que acontece na ausência da proteção sindical.”

Crise financeira da Covid-19

Os dados atuais, segundo ele, já mostram que essa é uma das maiores recessões em 80 anos ou, para alguns, em um século.

Stiglitz bate pesado no governo Donald Trump. “Ele diz que vai desaparecer milagrosamente, mas isso é uma das suas muitas fantasias, como a fantasia de que ele é um bom empresário”, diz. “Isso não vai acontecer. Não vamos ter ‘recuperação em V’ e a questão é a duração e a profundidade dessa crise econômica. Quanto mais longa e profunda, tanto mais empresas serão incapazes de pagar suas dívidas. Mais domicílios não poderão pagar. E quando você tem empresas e domicílios que não pagam, você tem uma crise financeira.”

O professor lembrou que os EUA têm 3% da população mundial, porém 25% dos casos de Covid-19. “No mundo em geral, os países liderados por demagogos, pessoas que não acreditam em ciência, que criaram divisão em suas sociedades e adotaram práticas de exploração não se deram bem”, disse, mencionando Brasil e Índia, além dos EUA. “Os países que criaram um sistema de confiança entre os cidadãos e os governos, confiança na ciência, instituições fortes, estes estão bem, a exemplo de Nova Zelândia, Coreia do Sul, Alemanha, com desempenho muito bom.”

Lucro acima da vida nos EUA

Joseph Stiglitz relata que metade dos trabalhadores americanos vivem do pagamento mês a mês. “Ou seja, a população de menor renda não tem escolha, tem de trabalhar mesmo doente. Os EUA são um dos poucos países que não têm a licença doença obrigatória. Você não é afastado recebendo pagamento. Chegou a ser aprovada uma lei que previa dispensa, apenas para a Covid-19, de dez dias. Mas as empresas mais ricas usaram lobby para uma exceção à regra e conseguiram. Isso graças aos republicanos, que não se importam com a vida dos americanos”, disse.

“O resultado foi que 48% dos americanos que trabalham para empregadores com mais de 500 funcionários estavam liberados dessa dispensa médica. São empresas que poderiam muito bem pagar uma dispensa médica, mas seu imediatismo faz com que coloquem os lucros à frente da vida dos trabalhadores e das suas perspectivas de longo prazo. Uma das razões para que a doença se disseminasse tão rapidamente”, completou.

O economista voltou a reforçar: o governo dos EUA não se importa nem com os trabalhadores nem com o povo. “E assim eles se recusaram a impor regulação a fim de assegurar que os trabalhadores tivessem direito a equipamentos de proteção individual, a máscara necessária, luvas. Os trabalhadores na linha de frente tinham de ir ao trabalho sem proteção. Mesmo prestando serviços essenciais.”

Economia verde contra a desigualdade

Joseph Stiglitz avalia que a Covid-19 deve levar à reestruturação da economia. E para um modelo que terá de ser universal. “Reconstruir melhor, de maneira mais verde, com base em conhecimento”, explica. “Vimos um grande crescimento da desigualdade em vários setores. O vírus impacta mais quem tem piores condições de vida. Exacerba as disparidades de renda. Nos EUA há grande desigualdade no acesso à saúde, já que não se vê isso como um direito humano. A covid-19 expôs as fraquezas da nossa sociedade, da nossa economia, o excesso de desigualdade. E a falta de resiliência do setor privado que não conseguiu produzir coisas simples como máscaras, luvas, testes”, critica.

Desigualdade e futuro

A recuperação, deixa claro o professor, será difícil. “Mas a economia verde e com base em conhecimento pode ser altamente eficaz. São projetos que requerem mão de obra, aumentando a criação de empregos, e isso ajudaria a lidar com o problema da desigualdade. Ao contrário do que temos hoje, com a redução dos salários.”

Com a pandemia, avalia o economista, vimos que muitos aspectos do nosso sistema não funcionam. “Estamos sendo confrontados com essa nova realidade. Esse processo de mudança de mentalidade parece estar em andamento, já. Claro que vai levar muito tempo. Algumas pessoas querem continuar se beneficiando do antigo regime. Mas os números mostram que precisamos de mudança”, diz. “No livro que lancei, falo da opinião dos jovens que estão muito mais alinhados com uma agenda progressista, de um capitalismo ético. Há necessidade de mudanças de regras que regem nossa economia. Ideias que faziam sentido há 50 anos não fazem mais. Aprendemos que a maximização dos lucros dos acionistas é errada. O capitalismo dos acionistas não maximiza o bem-estar da sociedade. Precisamos de regulamentações que alterem regras do setor financeiro.”

Ele fala em leis que protejam contra novos monopólios e abusos. “Sou otimista, acredito que seremos capazes de adotar regulações e leis de concorrência que vão possibilizar uma economia mais competitiva, mais dinâmica, que vai crescer mais rápido, mais justa, e com mais igualdade.”

Quem é

Joseph Stiglitz atua na Universidade de Columbia e é economista-chefe do Instituto Roosevelt. Cargo que exerceu também no Banco Mundial entre 1996 e 1999. Conhecido por seu trabalho sobre distribuição de renda, risco, governança corporativa, políticas públicas, macroeconomia e globalização, é autor de muitos livros. Sua obra mais recente é People, Power and Profits: Progressive Capitalism for an Age of Discontent (Povo, Poder e Lucros: Capitalismo Progressista para uma Era de Insatisfação, em tradução livre).