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18 de Julho de 2017

Polícia Militar: um filhote da ditadura


Escrito por: Unificados


Unificados

A violência das forças policiais contra manifes­tantes em luta por direitos sociais, seja no campo ou nas cidades tem uma origem clara: a ditadura militar brasileira, que foi o momento em que se confi­gurou o modelo de Polícia Militar que existe até hoje com o foco na repressão e não no combate à cri­minalidade. O cientista político mestre pela Uni­camp e doutor pela USP Guaracy Mingardi conver­sou com o Unificados sobre a desmilitarização da polícia no Brasil. Ele é ex-investigador da Polícia, especialista em Seguran­ça Pública. Foi Assessor Parlamentar, Secretário de Segurança Pública de Guarulhos, Assessor do Procurador Geral de Justi­ça do Ministério Público de São Paulo, Subsecretário Nacional de segurança pública, pesquisador da Direito GV e Assessor da Comissão Nacional da Verdade.

Unificados | Na sua opinião o fato de termos uma das forças policiais mais vio­lentas do mundo relaciona­-se com o fato de termos polícias militares?

 

Guaracy Mingardi - Sim, até certo ponto. O que acontece é que as polícias militares têm menos ligação com a população. Isso faz com que a probabilidade de uso da violência aumente, mas não é uma relação au­tomática. É bom deixar isso claro. Existe um conjunto de fatores.

 

Unificados | Quais seriam?

Guaracy Mingardi - Nossa sociedade é violenta mas não é esse o ponto principal. Ocorre que nós temos uma permissividade muito grande com relação a violência policial porque o Estado não controlou isso bem. Atualmente, os esta­dos, os governos, preferem usar mais a Polícia Militar que a Civil. O número de pessoas que você contrata mostra a importância que você dá para aquilo. Nos últimos 20 anos, em todos os estados, a Polícia Civil diminuiu em importância, com redução do efetivo. Todas as polícias têm de­ficiência de quadros, mas no caso das civis é muito mais grave. Já o efetivo da PM é mantido a ferro e fogo, porque a PM é quem cuida das manifestações. Os governos preferem a PM porque primeiro, fazem o que mandam e depois de fazer o que mandam, tra­balham dentro naquilo que interessa. Aos governos não interessa combater a criminalidade. Quem der­ruba o governo é agitação. E para isso, é preciso muita força para manter o con­trole sobre a população.

 

Unificados | Nos atos de rua, devido à violenta re­pressão policial, tornou-se comum o grito: “eu quero o fim da polícia militar”. Você é a favor?

Guaracy Mingardi - Sou favorável a desmili­tarização e isso não tem nada a ver com fim da polícia. A maioria dos es­tados democráticos não tem Polícia Militar, tem apenas Polícia Civil nas ruas. Na Inglaterra, não tem Polícia Militar nas ruas, nos Estados Uni­dos existem três polícias civis: municipal, estadual e federal. A Polícia Mi­litar de São Paulo mata mais que a polícia ameri­cana e temos índices  decriminalidade elevados, homicídios alarmantes, o tráfico fazendo o que quer. Como a Polícia Mi­litar é a que mais está nas ruas, quando se fala em “fim da Polícia Militar”, as pessoas acham que é aca­bar com a polícia e não é isso. Uma polícia de base civil faz patrulhamento. Na França, por exemplo, existe a Polícia Nacional, que é civil, e a Gendarma­ria Nacional, que é militar. Essas duas polícias não se chocam porque cada uma tem sua área. A po­lícia civil atua na cidades com mais de 10 mil ha­bitantes, enquanto que a Gendarmaria Nacional atua em áreas rurais, normalmente com popu­lações abaixo dos 10 mil habitantes, fora da juris­dição da Polícia Nacional Francesa.

 

Unificados | Por que aqui no Brasil a PM predomina?

Guaracy Mingardi - Polícia ser Militar significa que aqueles que mandam conseguem fazer o que querem, fogem da ilegali­dade com mais facilidade do que com a polícia de cunho civil. Isso não signi­fica que não haja corrup­ção na Polícia Civil. O que acontece, porém, é que nossa estrutura policial mi­litar foi balizada em 68 69, quando colocou as Polícias Militares sob o comando do Exercício e ganhou o formato que tem agora. É isso precisa mudar. As PMs que menos foram afetadas por esse modo de operar do Exército, foram as de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul. São polícias que matam muito menos, e que são mais próximas da popu­lação. A Polícia Militar de São Paulo, a Rota (Ron­das Ostensivas Tobias de Aguiar – tropa do comando Geral da Polícia Militar do Estado de São Paulo), foi criada para evitar a guer­rilha, roubo a banco. É um filhote da ditadura que tem que acabar.

 

Unificados | O que significa na prática desmilitarizar a polícia?

Guaracy Mingardi - É preciso mexer, acabar com a Justiça Militar. Por que policial tem que ter justiça especial? O Regime Disci­plinar tem que mudar, por­que permite que policiais sofram perseguição, com prisão administrativa. Ima­gine você que seu chefe não vai com a sua cara, ele pode decretar sua prisão e isso ainda existe em mui­tos estados. É preciso aca­bar com a dependência do Exército. Há um órgão do Exército Brasileiro chama­do IGPM - Inspetoria Geral das Polícias Militares que dá pitacos e isso tem que acabar também. Mudando essas coisas, veremos mu­danças dentro da Polícia. Pode até manter o nome Militar, pode chamar do que quiser.