Diante de todo cenário de caos, incertezas e falta de informação que vivenciamos com a presença do coronavírus (SARS-CoV-2), considerando a própria limitação de caracterização da ciência com as mutações, a única insuspeição que temos é que o vírus e a doença não foi um gerador, mas explicitou e agudizou os elementos de crise do tecido social presentes em cada território afetado, tendo assim, cada um destes, condições materiais e objetivas próprias de responder com medidas de prevenção e assistência médica e hospitalar.
Essa primeira afirmação nos abre alguns caminhos de entendimento, uns mais gerais da mundialização, outros mais particulares da realidade brasileira. Sendo esse um momento bastante oportuno para mais problematizarmos do que para alcançarmos respostas simples e pragmáticas, fica o convite para percorrermos tais caminhos. O sentido é abrir o diálogo, para uma construção de percepções e (re)posicionamentos que emergem nesta nova razão de mundo.
De partida, elucidamos o quanto estamos interligados mundialmente numa dinâmica capitalista de produção e reprodução, em que é inegável a centralidade que o trabalho ocupa na sociedade, em um processo que envolve a concentração de riquezas a partir da produção e distribuição das mercadorias necessárias à satisfação das necessidades humanas. Para citar alguns processos a partir da realidade atual, a necessidade de produção da ciência para a compreensão da estrutura molecular do vírus (em que o Brasil sofre cortes de investimentos acirrados no governo atual), dos medicamentos para tratamento e cura da COVID-19 e, os insumos da saúde, como os equipamentos de proteção individual para a classe trabalhadora da linha de frente da execução de política de saúde, em que as máscaras são as mais citadas.
Como amplamente divulgado à público e para materializar o cenário do trabalho mundializado, a maioria das máscaras faciais do mundo são fabricadas na China e em Taiwan (China produz cerca de 50 por cento das máscaras faciais sanitárias do mundo, o que representa 20 milhões por dia, ou mais de sete bilhões por ano, fornecendo-as para hospitais e trabalhadores médicos em vários países. Taiwan representa mais 20 por cento da oferta global, que em pico epidêmico suspendeu as exportações para outros países para cumprir as exigências do governo local, reservando para consumo de sua população. Embora a expressiva produção seja
feita nesses países, a matéria prima, componentes e às vezes a montagem final são feitas também no Japão, no Vietnã, no México e na Colômbia, exemplo de como a divisão social e técnica do trabalho é internacional.
Em meio à pandemia, percebemos a dificuldade de produção nacional de ciência, escassez de equipamentos de proteção individual para a classe trabalhadora da saúde, negligenciando as medidas de proteção à Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora, vem à tona a mediação das relações comerciais dos que ocupam o lugar no capitalismo central e dos que ocupam o lugar no capitalismo periférico dependente, como é o caso do Brasil, trazendo marcas operativas de dominância e subserviência produtiva e aquisitiva dos bens e serviços produzidos pela classe trabalhadora e os modos como cada país se apropria da força de trabalho e consubstancia condições, via direitos socias, para tal produção e reprodução da mesma.
A economia capitalista brasileira organizou-se através de superexploração da força de trabalho, exaurindo as capacidades físicas, psíquicas, emocionais e cognitivas da classe trabalhadora. O mundo do trabalho sofreu profundas metamorfoses nas últimas décadas, o que gerou transformações nos processos produtivos e nos processos de trabalho do país, com as subcontratações (terceirização, quarteirização, quinteirização, etc.), precarização e informalidade.
SARS-CoV-2 é o nome oficial dado ao novo coronavírus, que significa “severe acute respiratory syndrome coronavirus” (síndrome respiratória aguda grave de coronavírus 2). A nomenclatura se dá pela semelhança com o vírus SARS-CoV, agente causador
da epidemia de SARS em 2002. Já o COVID-19, nomenclatura amplamente utilizada pelos meios de comunicação não representa o
nome científico do novo coronavírus, uma vez que o termo se refere especificamente ao quadro infeccioso da doença provocado pelo SARS-CoV-2.
Quaisquer que sejam os tipos de processos produtivos (industriais, mineração, serviços, comércio, etc.), neles estão presentes o aumento de produtividade e a intensificação de jornadas, o que resulta no aumento da precarização das relações de trabalho, a perda de postos e a exigência de polivalência, desestruturação do poder sindical e o agravo do quadro de doenças e riscos de acidentes relacionados ao trabalho.
Para a manutenção da força de trabalho é preciso mecanismos de proteção social que assegurem sua produção e reprodução, no atendimento das demandas do capital. O que não significa dizer que a política social não conceda arranjos, com muita luta da classe trabalhadora, reverberando melhorias de condições de vida e trabalho que dão concretude à existência da classe trabalhadora. O que chamamos atenção é o fato de que essas concessões podem ser modificadas e suprimidas ao passo que ameacem a existência do próprio sistema capitalista.
Nas últimas semanas estamos experimentando isso de forma mais incisiva na prática. O constante pronunciamento do presidente empossado clamando pela volta ao trabalho, contrário às recomendações de organismos ligados à saúde não é mera coincidência. É projeto de sociedade! A Medida Provisória 927/20203 é expressão dos interesses que o Estado burguês tenta garantir para os interesses do capital; e a Medida provisória 928/2020 e a Renda Básica da Cidadania Emergencial é expressão a importância do papel que tem a luta de classes na contraofensiva, mesmo que com ganhos limitados.
A presença de uma Seguridade Social brasileira – tripé de proteção social composto pelas políticas de
saúde, previdência social e assistência social – tardia e inconclusa e a presença de ajustes fiscais históricos pautados no projeto de contrarreforma implantado no Brasil nos anos 1990, articulados ao mercado na contenção
de gastos com políticas sociais e racionalização da oferta, legitima que Estado garanta o mínimo aos que não
podem pagar, ficando para o setor privado o atendimento dos que têm acesso ao mercado, ou seja, poder de
consumo.
Sendo uma marca do Brasil e da América Latina como um todo, os ajustes estruturais delinearam políticas neoliberais, de mercado, com o objetivo de resolver os problemas do déficit fiscal, pois reduziriam os gastos
públicos através de uma política monetária restritiva para combater a inflação. Transformou as exportações em
fator principal de crescimento, liberalizou o comércio exterior, atenuando as regulações estatais, maximizando o
uso do mercado, e, concentrou o investimento no setor privado, reduzindo a presença do Estado no atendimento
às demandas da classe trabalhadora.
O avanço do neoliberalismo no Brasil ganhou o cunho ideológico e das populações no mito de empresariado de si, do cidadão-consumidor, descredibilizando as políticas sociais, em especial a da Saúde retirando sua
importância e sendo constantemente associado (inclusive para muitos intelectuais e trabalhadores de elevado
extrato de renda) como uma política de assistência médica e hospitalar para pobres, desconsiderando por desconhecimento o papel das Vigilâncias em Saúde (Epidemiológica, Ambiental, Sanitária e de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora), investigações que ganham importância em tempo de pandemia.
Contraditoriamente, ao invés de fortalecer o nosso Sistema Único de Saúde (SUS), as medidas estatais
passam em história recente pela Emenda Constitucional nº 95 aprovada em 2016, instituindo o Novo Regime
Fiscal congelando as despesas primárias, reduzindo-as em relação ao PIB ou em termos per capita por duas
décadas. O resultado reduz o investimento na saúde e subfinancia ainda mais o SUS, tão caro neste cenário de
pandemia, embora seja inegável que se trata da política social brasileira mais avançada e inclusiva. Na ordem do
dia, o recente Decreto nº 10.283, de 20 de março de 2020, representa a mercantilização da atenção primária
à saúde, mais um nicho de mercado encontrado pelo capital para ampliar lucros a partir de uma política social.
Pois bem, somos forçados a olhar para a trama da conjuntura descrita, de modo a sermos informados
das condições de resolutividade que o Brasil tem diante de uma pandemia e com a presença de trabalho superexplorado, de condições de vida e saúde em vulnerabilidade e da ausência de aparatos coesos do Estado, através de políticas sociais. Ou seja, precisamos perceber que as determinações sociais, apontadas nesse escrito
sobre a cena contemporânea, estão intrinsecamente relacionadas ao nosso modo de viver, adoecer e morrer.
Longe de esgotar a análise da totalidade dos fatos e defronte da necessidade de olhá-los de forma relacional e com muita criticidade, consideramos que esse momento nos solicita mais do que nunca pensarmos pautas coletivas, reafirmarmos e recuperarmos o protagonismo dos movimentos sociais, em especial do movimento
sindical pela capacidade de aglutinar pautas que envolvam trabalho e saúde, mote atual. Para não corrermos
os riscos de sermos capturadas pela narrativa da falaciosa necessidade de mais ajustes estruturais após a pandemia ceder, com o argumento de que a pandemia nos custou uma crise, gerou déficits e que a conta deve ser
paga, mais uma vez, pela classe trabalhadora.
Departamento Intersindical de Estudos e Pesquisas de Saúde e dos Ambientes de Trabalho
DIESAT
EQUIPE TÉCNICA DO DIESAT
Daniele Correia – socióloga, mestre em serviço social
Eduardo Bonfim da Silva – Administrador, Coordenador Técnico
Rogério de Jesus Santos – Técnico de Segurança do Trabalho
Vinícius Anéli da Silva – Tecnólogo em Mecatrônica Industrial
PRESIDENTE NACIONAL
Edison Flores Lima Filho – SINTAEMA-SP
VICE-PRESIDENTE NACIONAL
Elenildo Queiroz Santos – STI Metalúrgicos de Guarulhos
VICE-PRESIDENTE ESTADUAL – SP
João Donizeti Scaboli – FEQUIMFAR-SP
DIRETOR NACIONAL DE ADMINISTRAÇÃO
Francisco Pereira de Lima – Sindicato dos Marceneiros de SP
DIRETOR NACIONAL DE FINANÇAS
Alex Ricardo Teixeira – STI Químicos de SP
DIRETOR NACIONAL DE DIVULGAÇÃO E CULTURA
Daniel Paulo Ferreira de Lima – SEEL / SP
DIRETOR NACIONAL DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS
José Jurandir Alves Lopes - FENATEMA
DIRETOR NACIONAL DE PROJETOS E PESQUISAS
Arnaldo Marcolino da Silva Filho – Sindicato dos Radialistas de SP
DIRETOR NACIONAL DE RELAÇÕES SINDICAIS
José Freire da Silva - FETQUIM-CUT / SP
CONSELHO FISCAL
Benedito Pedro Gomes – Sindicato dos Padeiros de SP
Regina Lúcia Strepeckes – Sindicato dos Eletricitários de SP
Gilberto Almazan – STI Metalúrgicos de Osasco e Região