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23 de Abril de 2024

Leia o manifesto do Dia Internacional em Memória das Vítimas de Acidentes e Doenças Relacionadas ao Trabalho


Escrito por: Fundacentro


Fundacentro

A Saúde e Segurança do Trabalhador e da Trabalhadora é um direito fundamental de cidadania reconhecido pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) e Organização Mundial da Saúde (OMS). No entanto, a cada 15 segundos, uma pessoa morre no mundo por acidentes de trabalho. No Brasil, a cada 50 segundos, um acidente de trabalho é notificado.

Diante dessa realidade, o movimento internacional de trabalhadores instituiu o 28 de abril em memória dos trabalhadores e trabalhadoras vitimados pelo trabalho. A data remete a morte de 78 trabalhadores causada por explosão em uma mina nos Estados Unidos no dia 28 de abril de 1969.

No Brasil[1], entre 2012 e 2022, 6.774.543 acidentes do trabalho foram notificados no país, o que gerou 2.293.297 afastamentos acidentários. Esses acidentes resultaram em 25.492 mortes, equivalentes a aproximadamente uma morte a cada 3 horas e meia. São trabalhadores vitimados pela violência do trabalho. 

Os dados citados abrangem apenas os acidentes registrados junto ao INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social), deixando de fora todos os ocorridos com trabalhadores sem registro formal em carteira e com os servidores públicos estatutários. É importante ressaltar que mesmo entre os trabalhadores registrados, há uma significativa subnotificação, pois as empresas frequentemente deixam de reportar esses acidentes de trabalho. Essa subnotificação contribui para uma visão incompleta e subestimada da realidade dos acidentes de trabalho no país.

São casos como o de:

Leonardo A. Diniz: 33 anos, era casado e pai de um menino de 7 anos. Técnico em manutenção, estava de folga e foi convocado para o plantão. Assim como ele, mais 269 pessoas morreram no acidente de trabalho da Vale em Brumadinho/MG em 25 de janeiro de 2019.

Michel S. Bittencourt, 16 anos, era jovem aprendiz em uma empresa em Caxias do Sul/RS. Seu primeiro emprego. Completando três meses, ele estava carregando peças de automóvel por meio de um elevador, que estava com o motor desativado. Ele usava uma corda para erguer essas peças, e foi nela que ele teria se enroscado e morrido em março de 2023.

José P. da Silva, metalúrgico, morto em maio de 2019 em Betim/MG, vítima da explosão de uma caldeira.

Robert K. S. de O. Nascimento, de 27 anos, morreu soterrado ao buscar a ferramenta que teria caído dentro da vala, certa quantidade de terra caiu e soterrou o jovem em Itabirito/MG.

Trabalhadores e trabalhadoras do Brasil não querem mais morrer pelo trabalho tampouco não voltar para casa devido à negligência das empresas na garantia de um processo produtivo seguro e saudável. Não queremos mais deixar nossos filhos órfãos em consequência da ganância capitalista que sacrifica a vida em prol do lucro.

Basta de sofrimento e morte!

Maria C. Rios, assistente social, morta em novembro de 2018 em Fortaleza/CE, vítima de um acidente de trânsito.

Francisco C. do N. Silva, trabalhador de uma empresa terceirizada, em Pedreiras/MA, morreu após forte descarga elétrica em poste no dia 12 de abril de 2023.

Os números apresentados são impressionantes, mas estão muito longe da realidade. Infelizmente há muito mais por trás das estatísticas. O risco de adoecimento e de morte colocado é uma ameaça iminente para todos, porém afeta de maneira desproporcional os segmentos mais vulneráveis da sociedade. O que antes era considerado exceção, como o trabalho informal, tornou-se a norma.  Os mais pobres, com acesso limitado a moradia digna, saneamento básico, alimentação adequada, educação e saúde, enfrentam condições extremas de vulnerabilidade.  Vivem na informalidade, na precarização, no subemprego. Adoecem, acidentam-se ou morrem pelo trabalho, mas não são vistos como trabalhadores e trabalhadoras. São marginalizados e invisibilizados, tanto em vida quanto na morte, em uma cruel injustiça social que clama por mudança e justiça.

Basta de sofrimento e morte!

A Quebradeira de Coco Babaçu Maria J. Rodrigues, 78 anos, e seu filho, José do Carmo C. Júnior, de 38 anos, vítimas fatais esmagadas por árvore de palmeiras, no município de Penalva/MA.

O motoboy Murilo de Jesus, 19 anos, trabalhador informal, que perdeu a vida atingido por um ônibus.

Josenildo de Oliveira, 47 anos, caminhoneiro, trabalhador autônomo que morreu preso às ferragens.

As recentes e inúmeras alterações na legislação trabalhista promoveram a perda de direitos. A reforma trabalhista de 2017, com o trabalho intermitente e outros retrocessos, que continuaram ocorrendo. Só em 2020 foram mais de 20 mudanças. A flexibilização prevê acordos como a adoção de home office, antecipação de férias, uso de banco de horas, suspensão de contrato de trabalho.

Sofremos as consequências de um governo cruel e desumano entre 2019 e 2022, que também buscou enfraquecer e criminalizar os movimentos sindical e social, piorando as condições de trabalho. 

Esse mesmo governo, com sua política negacionista, causou a morte de centenas de milhares de pessoas. Em três anos, a Covid-19 matou mais de 700 mil brasileiros, considerando apenas os dados oficiais. Quantas dessas vítimas se contaminaram no trabalho ou nos transportes coletivos lotados e inadequados? Quantos também estão invisibilizadas porque as estatísticas mostram que morreram pela Covid-19, sem correlacionar que a exposição no trabalho ou no acesso a ele foi fator determinante na contaminação? As estatísticas também não dizem, mas eram muitos, era a maioria. Portanto temos aí muita subnotificação de acidente de trabalho!

Cleonice Gonçalves, trabalhadora doméstica de 63 anos, do Rio de Janeiro/RJ, primeira vítima do coronavírus infectada na casa da patroa.

Heidi Ferrer, infectada pelo coronavírus em 2020, nunca se recuperou e se suicidou em maio de 2021, aos 50 anos após desenvolver sequelas graves da Covid longa.

Basta de sofrimento e morte!

Não por acaso, em um país onde os trabalhadores e as trabalhadoras são invisibilizados pela informalidade e pela precarização, suas mortes pelo trabalho também ficam invisíveis para quem deveria ajudar a evitá-las.

Tatiane de O. Marcon, de 32 anos, morreu após cair de uma altura de aproximadamente 10 metros em um silo utilizado para secar amendoim na cidade de Marília/SP em março de 2023.

Octávio D. Júnior, comerciário, 44 anos, vítima de transtorno mental, por depressão, cometeu suicídio, mas antes também ceifou a vida da esposa, filho, mãe e a sogra, Porto Alegre/RS.

Nós não queremos mais que o processo produtivo de riqueza do Brasil continue privilegiando o lucro acima da saúde, da integridade física e da vida, dos trabalhadores e trabalhadoras.

O cenário atual de desemprego em massa e de informalidade apresenta um grande desafio ao movimento sindical na sua vocação: representar a classe trabalhadora no enfrentamento dos interesses de lucro do capitalismo.

O "capital" e os donos dos meios de produção são uma força bruta da sociedade, que se norteiam por princípios próprios e que não consideram as condições de vida e a saúde dos trabalhadores, de modo que uma situação negativa para os trabalhadores não necessariamente é indesejável para eles. Sempre haverá outros para substitui-los.

O que se apresenta é um desafio de projeto de sociedade, de novas formas de sociabilidade, com políticas sociais que amparem a classe trabalhadora enquanto o jogo cruel e desumano do capitalismo continua a rodar.

Não podemos mais aceitar com naturalidade tantas mortes como os desastres de Mariana e Brumadinho/MG, ou as ocorridas no desabamento de um auditório de empresa metalúrgica em Itapecerica da Serra/SP em 2022, onde nove trabalhadores morreram, e 28 se feriram, mas apenas 4 CATs (Comunicação de Acidente do Trabalho) foram abertas.  Da mesma forma, não pode haver impunidade para a morte de um pai de família, motorista de aplicativo na Zona Leste de São Paulo, assassinado após ter sido violentamente atingido por um carro de luxo dirigido de maneira irresponsável.

Os trabalhadores e as trabalhadoras têm o direito de saber os riscos a que estão expostos e o direito de recusa. A nanotecnologia, por exemplo, traz riscos químicos, muitas vezes desconhecidos. Os novos arranjos de trabalho, como os das empresas em plataformas digitais, trazem velhos problemas como longas jornadas e condições extenuantes, com novas roupagens. As doenças relacionadas à saúde mental são a terceira maior motivação para afastamento do trabalho e atingem cada vez mais pessoas. Mas, muitas vezes, o nexo causal é desconsiderado.

É hora de unirmos esforços para que, com urgência, seja implementado um efetivo sistema de saúde e segurança, construído com uma ampla participação dos trabalhadores e trabalhadoras, das entidades sindicais e movimentos sociais, que contemple:

A garantia de ampla liberdade de organização dos trabalhadores e trabalhadoras nos seus locais de trabalho visando à identificação de fatores de risco, tomada de medidas efetivas para sua eliminação, promoção de sua saúde e segurança e o fortalecimento das Comissões Internas de Prevenção de Acidentes e Assédio – Cipa;

Uma real integração entre os diferentes ministérios, em especial o da Saúde, do Trabalho e Emprego e da Previdência Social, com o núcleo central do governo federal assumindo a luta pela saúde e segurança dos trabalhadores e trabalhadoras como política de Estado prioritária;

Democratização do processo de registro de condições de trabalho, acidentes e doenças, garantindo o direito de notificação e reconhecimento a qualquer cidadão;

Fortalecimento da auditoria fiscal do trabalho em sinergia com a vigilância em saúde do Sistema Único de Saúde (SUS);
Estabelecimento de uma rede de universidades e escolas técnicas que auxilie na formação de profissionais de saúde e segurança comprometidos com os reais interesses coletivos dos trabalhadores e das trabalhadoras;

Garantia de um sistema previdenciário que respeite os direitos dos trabalhadores e trabalhadoras adoecidos ou acidentados, destacando a necessidade de um tratamento respeitoso e justo por parte da perícia médica;

Valorização do serviço público e realização de novos concursos, com destaque para a necessidade do fortalecimento da Fundacentro e a ampliação do seu corpo técnico.

Queremos que as relações e condições de trabalho neste país paute como princípio fundamental a saúde do trabalhador e da trabalhadora como direito humano!

As mudanças que os trabalhadores e trabalhadoras precisam não são de cima para baixo ou fora para dentro, esse modelo limitado.

Portanto, soltamos nossa voz “DE BAIXO PARA CIMA, DE DENTRO PARA FORA! VIVA O PODER POPULAR. BASTA DE SOFRIMENTO E MORTE! VIVA A VIDA!”