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14 de Julho de 2015

Entrevista: "Hoje é legal contaminar alguém com agrotóxico no Brasil”


Escrito por: Marco Weissheimer, Brasil de Fato


Marco Weissheimer, Brasil de Fato
Legenda: Procurador regional do Ministério Público do Trabalho de Pernambuco e oordenador do Fórum Nacional de Combate ao uso abusivo de Agrotóxicos, Pedro Luiz Gonçalves Serafim da Silva
Crédito: Roberta Fofonka/Sul21

Em cerca de dez anos, a produção de agrotóxicos no Brasil cresceu entre 80 e 90% e o consumo aumentou aproximadamente 190%. Hoje é legal no Brasil e em outros países intoxicar ou contaminar alguém com agrotóxico, uma vez que a legislação admite um limite supostamente tolerável para o nosso organismo. A realidade é que as coisas não estão sendo ditas como deveriam. Agrotóxico é veneno e não há um uso seguro do mesmo. A avaliação do coordenador do Fórum Nacional de Combate ao uso abusivo de Agrotóxicos, Pedro Luiz Gonçalves Serafim da Silva, é uma advertência à toda sociedade e, em particular, ao Poder Judiciário e aos meios de comunicação, sobre a maneira que o tema vem sendo tratado no Brasil.

Em entrevista ao Brasil de Fato (BF), o procurador regional do Ministério Público do Trabalho de Pernambuco fala sobre a importância de os trabalhadores e a população em geral exercerem o seu direito à informação e exigirem transparência sobre o que está presente nos alimentos e na água que estão consumindo e nos produtos que estão manipulando em seus locais de trabalho. “De 2001 para cá, a mídia está mais aberta a esse tema, mas ainda há problemas. Os meios de comunicação não podem esconder que agrotóxico é veneno, não é defensivo agrícola nem remédio para as plantas como algumas pessoas ainda dizem. É veneno e não existe uso seguro. Deve dizer também que esse não é um problema só do campo, é da cidade, inclusive de quem trabalha na mídia”, diz Pedro Luiz Serafim.

BF: Como procurador do Ministério Público do Trabalho e coordenador do Fórum Nacional de Combate ao Uso Abusivo de Agrotóxicos, qual sua visão sobre os problemas causados pelo emprego maciço destes produtos químicos no Brasil?

Pedro Luiz Serafim: Há um reducionismo no debate sobre agrotóxicos que vem desde a chamada Revolução Verde. Esse reducionismo afirma que o agrotóxico é seguro e seu impacto fica limitado ao campo. A verdade é outra. Não existe uso seguro de agrotóxico e seu impacto está longe de permanecer limitado ao campo. Os agrotóxicos hoje estão na nossa mesa. Então, esse problema diz respeito ao campo e à cidade e está presente na mesa de cada um de nós, tornando-se um tema diretamente ligado à nossa segurança alimentar. Além disso, há o problema da contaminação da água, o que só reforça a ideia de que se trata de um problema que diz respeito a vida de todo mundo hoje.

Além da questão da segurança alimentar, tem crescido também a preocupação com a segurança do trabalhador. O sistema de saúde está começando a preparar os médicos para que possam incluir no diagnóstico a abordagem de temas que, até bem pouco tempo, eram tratados sob a designação genérica de “virose”, e estabelecer o vínculo do problema de saúde com a atividade profissional que a pessoa desempenha.

“O sistema de saúde está começando a preparar os médicos para que possam incluir no diagnóstico a abordagem de temas que, até bem pouco tempo, eram tratados sob a designação genérica de “virose”, e estabelecer o vínculo do problema de saúde com a atividade profissional que a pessoa desempenha”. Foto de: Foto: Roberta Fofonka/Sul21

BF: Considerando o período de existência do fórum nacional, de 2009 até hoje, na sua avaliação o problema do uso abusivo de agrotóxicos melhorou ou piorou no Brasil?

Pedro Luiz Serafim: A minha avaliação é que esse problema se tornou mais evidente, ganhando mais espaço na mídia. A economia do agronegócio cresceu muito, mas também cresceram determinadas enfermidades dos trabalhadores e dos cidadãos em geral. O aumento do número de casos de determinados tipos de câncer é um exemplo disso. Merece destaque a criação da campanha nacional contra os agrotóxicos e em defesa da vida, uma verdadeira infantaria da sociedade civil que vem estimulando um debate em todo o país. Há os dois filmes de Silvio Tendler, “O Veneno está mesa” I e II. Várias redes de televisão do Brasil e de outros países fizeram reportagens sobre o tema nos últimos anos. Entidades como a OEA (Organização dos Estados Americanos) e OMS (Organização Mundial da Saúde) também vem chamando a atenção dos países sobre esse problema, principalmente daqueles que têm suas economias mais ligadas à agricultura.

Por outro lado, na medida em que aumentou a visibilidade desse tema, cresceu também a reposta dos setores interessados em manter essa triste realidade, propondo, por exemplo, alterações no atual sistema regulatório que é razoável. Existe uma pressão na Câmara dos Deputados e no Senado para flexibilizar o sistema regulatório. Já temos antecedentes para servir de alerta como o caso do paraquat aqui no Rio Grande do Sul. Não se reconheceu o alerta da área da Saúde sobre os riscos desse produto, o que representa uma quebra do sistema tripartite que o Brasil observa desde a Lei 7802/89, que estabelece que nenhum produto deve ser liberado para uso no país se um de três ministérios (Saúde, Agricultura e Meio Ambiente) se posicionar contrariamente à liberação.

BF: Quais as prioridades do Fórum Nacional de Combate ao Uso Abusivo de Agrotóxicos para o ano de 2015?

Pedro Luiz Serafim: Nós estamos sugerindo que seja fortalecida a ação local nos Estados e municípios, conclamando a sociedade. Os trabalhadores, as donas de casa, os movimentos sociais e sindicatos, todo mundo tem que participar deste debate pois ele diz respeito diretamente à saúde de todos. Só a partir dessa mobilização se terá força para enfrentar os poderosos interesses econômicos dessa indústria. A decisão sobre o consumo é uma da cidadania nesta luta. Se o pimentão ou o morango são apontados como reis do agrotóxico, cabe ao cidadão dizer “não compro esse morando nem esse pimentão”. Ele deve exercer o seu direito à informação e exigir que se diga o que há no produto que está comprando e também qual é a procedência.

BF: Qual sua avaliação sobre o modo como os meios de comunicação vêm tratando desse tema?

Pedro Luiz Serafim: Acho que, de 2001 para cá, a mídia está mais aberta a esse tema, mas não há dúvida de que ainda existem algumas interferências. A tarefa da mídia, aqui, deveria ser dizer a verdade e trazer alguns exemplos de fora sobre como essa questão vem sendo tratada na União Europeia, por exemplo, que vem adotando normas cada vez mais restritivas e rigorosas em relação ao uso de agrotóxicos. A mídia não pode esconder que agrotóxico é veneno, não é defensivo agrícola nem remédio para as plantas como algumas pessoas ainda dizem. É veneno e não existe uso seguro. Deve dizer também que esse não é um problema só do campo, é da cidade, inclusive de quem trabalha na mídia. A mídia ainda não diz tudo, mas alguns setores dela têm avançado neste tema.