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27 de Julho de 2015

Entrevista: a nanotecnologia e seus impactos na saúde, na segurança e na sociedade


Escrito por: Imprensa CNQ


Imprensa CNQ
Legenda: Arline em entrevista especial para a CNQ

“O o avanço tecnológico tem levado a uma crescente informatização dos controles operacionais, o que afasta o trabalhador da atividade concreta. Dá ao trabalho quase uma dimensão imaterial. Mas ao mesmo tempo este trabalho abstrato exige maior trabalho intelectual. Isto gera esgotamento físico e mental do trabalhador”, afirma a Arline Arcuri nesta segunda entrevista da série sobre nanotecnologia deste ano, desenvolvida pela Secretaria Saúde do Trabalhador da CNQ-CUT.

Arline Arcuri é bacharel e licenciada em Química pela Universidade de São Paulo; doutora em ciências, na área de físico química, também pela USP, e pesquisadora da Fundacentro de São Paulo, na coordenação de Higiene do Trabalho. Também coordena o projeto “Impactos da nanotecnologia na saúde dos trabalhadores e meio ambiente”.

Além do Princípio de Precaução, que vem sendo observado no caso da nanotecnologia, há a questão da informação. Para Arline, “há necessidade destas discussões serem levadas aos trabalhadores e a toda a sociedade”.

Confira entrevista a seguir:

CNQ: Um dos comentários que se ouve de alguns pesquisadores é de que a nanotecnologia não é nova.  Já se pratica há muitos anos. O que se pode dizer sobre isto?

Arline: É verdade que já se produz material nanoestruturado ou que contem nanopartículas há séculos. Os vitrais das igrejas construídas ainda na era medieval contem nanopartículas de ouro, por exemplo. Uma pesquisa interessante sobre estas partículas nos vitrais foi divulgada pelo professor Zhu Huai Yong. As nanopartículas de ouro, além de colorirem os vitrais, com ação da luz do sol, eram capazes de destruir poluentes do ar como produtos orgânicos voláteis, por exemplo, liberados pelas velas acendidas dentro das igrejas! O que é recente, a partir mais ou menos da década de 1980 é a nanotecnologia produzida intencionalmente. Só depois do desenvolvimento de microscópio de tunelamento eletrônico, em 1981, pela IBM, que deveria se chamar nanoscópio, é que foi possível começar a entender como ocorrem as coisas na escala nanométrica e partir daí a nanotecnologia vem tendo crescente desenvolvimento

CNQ: O que já existe de produtos com nanotecnologia, no mercado?

Arline:  Esta é uma pergunta déficit de responder. Não há obrigatoriedade desta informação ser dada ao consumidor. Tentei saber o que chega aos supermercados com nanotecnologia para um projeto do qual participei, cujo foco era a cadeia do alimento, e não encontrei nenhum produto que fazia referência. Alguns produtos se sabe que contem nanopartículas ou material nanoencapsulado, indiretamente, por referência encontrada em trabalho científico ou reportagem.

Uma das fontes de informação muito utilizada para se ter uma idéia do que há de produtos com nanotecnologia no mercado é o “Projeto de Nanotecnologias Emergentes” (Project on Emerging Nanotechnology) que faz um inventário de produtos que chegam ao consumidor. Pode-se encontrar informações em:http://www.nanotechproject.org/cpi/about/analysis/

Neste projeto foram identificados em 2005 apenas 54 produtos, enquanto em 2013 já eram 1628, a maior parte voltada a produtos para a saúde e bem-estar físico. Entre os elementos químicos mais utilizados, se destaca a prata. Em 2013, foram identificados 383 produtos contendo nanopartículas de prata.  Mesmo no mercado brasileiro já há muitos produtos com nanopartículas de prata, identificadas em alguns produtos como “nanosilver”! Depois deste elemento, em 2013, ainda vem o uso de nanopartículas de titânio (usadas, por exemplo, em filtros solares), carbono, sílica, zinco e ouro.

CNQ: Há impactos à saúde dos trabalhadores devido a estas novas tecnologias?

Arline:  Sim, como já referido em outras entrevistas, o material em escala nano tem propriedades muito diferentes do mesmo material em escala maior. Há vários estudos indicando a facilidade das nanopartículas em penetrar em várias células dos organismos vivos, sejam animais ou vegetais. Esta propriedade pode ser utilizada para produção de medicamentos para tratamento de câncer, por exemplo, que entram apenas nas células cancerosas e não atacam as sadias. Mas também, pode fazer com que as partículas na escala nanométrica, às vezes apresentando uma toxicidade muito diferente do mesmo material em escala maior, penetrem com mais facilidade no organismo provocando danos diferentes. Como ainda há pouco estudo sobre os possíveis efeitos, a determinação do nexo entre a doença que pode ocorrer e a exposição, é muito mais difícil. Estes estudos são feitos por um ramo específico da toxicologia, a nanotoxicologia. 

CNQ: Estes impactos das novas tecnologias são apenas de natureza toxicológica?

Arline:  Não! Uma das preocupações que se deve ter ao se trabalhar com material em escala nanométrica, é relacionada à possibilidade de fogo e explosão. Um dos fatores que contribuem para a facilidade de ignição e violência explosiva de uma nuvem de pó é o tamanho da partícula ou área superficial específica. Por tanto, a tendência geral é: quanto menor a partícula, maior a sua área superficial e, portanto maior deve ser sua facilidade de ignição e violência explosiva. Este aspecto deve ser estudado.

A habilidade dos nanomateriais se tornar eletrostaticamente carregado durante o transporte, manuseio e processamento é também um fator de um risco a ser considerado. Esta tendência de se carregar aumenta drasticamente com o aumento da área superficial do nanomaterial.

Alguns nanomateriais podem ainda iniciar reações catalíticas dependendo se suas composições e estruturas, o que não pode ser antecipado apenas com base em sua composição química

Nanopartículas também podem provocar curto circuito em equipamentos elétricos, devido sua facilidade em penetrar em pequenas frestas destes equipamentos.

CNQ: Existem ainda outros impactos possíveis?

Dra. Arline:  Sim. Nanosensores cada vez menores tem permitido a construção de câmeras de vigilância também cada vez menores. Além da tensão constante devido à fiscalização pessoal, certas empresas estimulam inclusive que cada trabalhador fiscalize seus colegas para saber se estão usando luvas, botas, capacetes, etc. e estes relatos devem ser levados para as chefias. Eles próprios são fiscalizados por meio destas câmeras, o que os força a tomar esta atitude. Esta ação tem impacto direto nas relações interpessoais, diminui a colaboração, a solidariedade entre colegas de trabalho.

Além disto, o avanço tecnológico tem levado a uma crescente informatização dos controles operacionais, especialmente nas grandes empresas químicas e metalúrgicas, o que afasta o trabalhador da atividade concreta. Dá ao trabalho quase uma dimensão imaterial. Mas ao mesmo tempo este trabalho abstrato exige maior trabalho intelectual. Isto gera esgotamento físico e mental do trabalhador.

O desenvolvimento de nanochips, telas de celular cada vez mais finas e nítidas, tem permitido a produção de equipamentos de comunicação em tamanho cada vez menor, com capacidade cada vez maior, incluindo melhoria do alcance das comunicações. Os preços destes celulares também estão cada vez mais acessíveis. Isto tem estimulado as empresas a “cederem” estes equipamentos para vários trabalhadores, o que tem possibilitado que eles sejam acionados em qualquer dia e a qualquer hora. Como conseqüência, estes trabalhadores deixam de ter respeitadas as suas jornadas de trabalho, seus finais de semana e até podem ser encontrados nas férias.

CNQ: Como lidar com estas inovações?

Arline: O avanço destas novas tecnologias, em minha avaliação, é irreversível. Mas na história da humanidade já houve grandes desastres que poderiam ter sido evitados se, antes de se colocar um produto ou processo no mercado, houvesse estudos sobre os impactos negativos que poderiam ocasionar. Muitos produtos envolvendo nanotecnologia já estão entrando sem a devida atenção ao chamado ”principio da precaução”. Esse princípio deve ser aplicado quando há suspeita de que o produto possa provocar risco de danos graves ou irreversíveis, ainda que não claramente entendido, e o estágio de desenvolvimento atual da ciência não consegue avaliar adequadamente. Este princípio visa evitar os riscos e a ocorrência de danos ambientais e à saúde, preservando melhor qualidade de vida para as gerações presentes e futuras, já que pode ser impossível reparar esses danos. A aplicação deste princípio requer a implementação de todas as medidas necessárias para evitar a ocorrência do risco. Há ainda a necessidade destas discussões serem levadas aos trabalhadores e a toda a sociedade.”.