Fonte: Rede Brasil Atual
Em meio a um boom de vendas de computadores de mesa, notebooks, netbooks, tablets, tevês e celulares, o Brasil ainda patina para encontrar destinos sustentáveis às gerações de peças eletrônicas que vão sendo substituídas. Mais difícil ainda é reciclar produtos com grande concentração de metais que exigem processos caros e complexos para reaproveitamento. Não está "bem resolvido" quem vai arcar com os custos de reciclagem de produtos no final da vida útil, diz Joyce Françoso, técnica de meio ambiente da indústria química Suzaquim.
Especialistas ouvidos pela Rede Brasil Atual sugerem a criação de "pontos verdes", mantidos por empresas de reciclagem, que ganhariam com a reutilização de materiais como plástico e metais, mas também seriam responsáveis pela destinação de substâncias tóxicas. A criação de uma taxa extra, no momento da compra de eletroeletrônicos, também é levada em conta, a exemplo do que acontece em países europeus.
A dificuldade em descartar adequadamente a sucata eletrônica levou a professora Tereza Cristina Carvalho a realizar em 2008 uma campanha de coleta do lixo eletrônico de 200 funcionários do Centro de Computação da Universidade de São Paulo. O órgão é responsável pela infraestrutura de computação da universidade. “Já tínhamos identificado que resíduo eletrônico é um problema e queríamos dar o destino correto”, afirma a docente, que é coordenadora-geral do Laboratório de Sustentabilidade (Lassu), da Escola Politécnica da USP.
Após o período de coleta, veio a surpresa: a iniciativa conseguiu reunir 5 toneladas de lixo tecnológico. Mas ampliou o dilema sobre o que fazer com os equipamentos. “A ideia era de coletar em toda a USP – 81 mil alunos, 5 mil professores e 15 mil funcionários –, mas preferimos começar pelo centro de computação”, lembra.
Diversas empresas foram convidadas a avaliar o material, mas boa parte não se interessou. Uma delas ofereceu R$ 1.200 para retirar os volumes. “Imaginei que havia algo errado. Tantas empresas de reciclagem ganhando dinheiro, como 5 toneladas poderiam valer R$ 1.200?”, questionou Tereza.
Diante de 5 toneladas de problema, a professora buscou parcerias internacionais e conseguiu auxílio do Massachusetts Institute of Technology (MIT), nos Estados Unidos. O MIT enviou pesquisadores ao Brasil que a ajudaram em visitas a projetos sociais e empresas de reciclagem de plástico e de metal. “Visitamos a Itautec e vi a desmontagem dos computadores. Lá, plástico vai para indústria de plástico, metal para de metal e tudo tem destino sustentável”, relata. Inspirada no que viu, a professora deu início ao Centro de Descarte e Reuso de Resíduos de Informática (Cedir).
Atualmente, o centro recebe equipamentos de pessoas físicas e da própria USP. “Pessoas físicas podem trazer tudo que é proveniente de informática e telecomunicações, computadores, monitores, teclados, celulares, centrais telefônicas, equipamentos de rede”, elenca Tereza.
Os equipamentos que chegam à instituição tem utilizações diversas e nada é perdido. Computadores em condições de reúso, por exemplo, passam por manutenção e são complementados com peças, quando necessário, e em seguida encaminhados para projetos sociais. Máquinas sem possibilidade de reutilização são desmontadas e as peças reaproveitadas na própria instituição para abastecer computadores que precisam de peças e partes que não servem, ao fim, são encaminhadas para a reciclagem. Os materiais também servem como fonte de pesquisa na área.
Apesar da política nacional de resíduos sólidos prever a logística reversa, em que as indústrias são responsáveis por receber seus produtos de volta, ao final da vida útil, o comerciante de materiais eletrônicos Paulo Garcia acredita que ações independentes, como a criação de “pontos verdes”, mantidos por empresas especializadas em reciclagem, serão mais eficazes para evitar o uso inadequado dos resíduos.
A participação do consumidor será essencial na separação dos diversos tipos de materiais. “O processo tem de começar na separação pelo gerador particular e empresarial. Na sequência tem de ter ponto próximo para ser aglutinado e formar volume para que possa depois ser recolhido. Depois um local que faça a triagem grossa dos produtos e, no estágio final, empresas que são recicladoras, seja de plástico, cobre ou alumínio”, projeta Garcia.
A professora da USP sugere que o consumidor também seja responsável pelos bens consumidos, pagando uma porcentagem a mais para que haja reciclagem dos produtos. “De tudo que já vi, gostei de uma solução utilizada no Mercado Comum Europeu”, diz. “Lá, quando se compra um computador a € 100, hipoteticamente o comprador paga mais € 5 para a reciclagem que ocorrerá no final da vida útil daquela máquina. Esse valor vai manter um pool de empresas de reciclagem”, explica.
As toneladas de sucata eletrônica obtidas com apenas 200 pessoas, de uma população que beira a 100 mil, trouxeram outras lições, observa Tereza, do Lassu. “No Cedir verificamos que há muita coisa sem solução nessa área, por isso precisamos desenvolver pesquisas sobre materiais.”
A experiência do Cedir levou à criação de um curso específico para catadores, por meio do Lassu, o projeto de reciclagem de eletrônicos Eco-Eletro. Também está previsto um programa de treinamento em lixo eletrônico para jovens de baixa renda de 17 anos, cursando o 3º ano do ensino médio. O curso está aprovado, mas depende de parceria para começar a funcionar. “É o programa pró-profissão que vai inseri-los no mercado de informática e reciclagem”. O curso terá a duração de um ano e pretende resolver problemas como a falta de recursos humanos capacitados para lidar com a manutenção de equipamentos eletrônicos, o descarte adequado e auxiliar os jovens carentes a se profissionalizar.
O terceiro projeto educacional do Lassu é o MBA de Sustentabilidade em Tecnologia da Informação. “Nada acontecerá se não houver líderes que pensam sustentabilidade”, afirma a coordenadora-geral do Lassu. O laboratório trabalha ainda com o MIT na criação de uma rede internacional de projetos sociais, usando o conceito de baixo custo para atender comunidades de baixa renda.
Na área de pesquisa há trabalhos com sistemas energéticos eficientes e análises do impacto ambiental do descarte de medidor de energia elétrica. Os pesquisadores do Lassu também estão começando pesquisas no setor calçadista, com o desafio de desenvolver um sapato sustentável. “Ele tem as mesmas substâncias tóxicas do lixo eletrônico”, informa. Graças a diversas pesquisas, o sapato biodegradável já existe, adianta Tereza.