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03 de Agosto de 2022

Confira a pauta dos trabalhadores e das trabalhadoras químicos para o futuro do ramo


Escrito por: Fetquim


Fetquim

Uma proposta conjunta dos principais dirigentes e federações sindicais do ramo químico no País ressalta a importância da reindustrialização brasileira e, em especial, do ramo químico, a fim de garantir um desenvolvimento social amplo e integrado que contemple as necessidades básicas da classe trabalhadora.

Leia abaixo a íntegra do texto:

Nós, dirigentes sindicais do ramo químico, enquanto representantes dos mais de dois milhões de trabalhadores e trabalhadoras da indústria química de um dos países mais populosos do planeta e principal economia da América Latina, apresentamos este documento com objetivo de contribuir com propostas para recuperação da capacidade de produção da indústria química brasileira. O processo de retomada da indústria química deve dialogar diretamente com as demandas urgentes da população brasileira, garantindo a geração de empregos de qualidade com políticas que reduzam as desigualdades no mercado de trabalho, em especial as que atingem as mulheres, negros, LGBTQIA+ e Pessoas com Deficiência.

A reindustrialização por missões socioambientais é eixo estruturante desse processo e ressalta que a industrialização não é um fim em si mesma, mas um meio para conquista do desenvolvimento social amplo. Caso a iniciativa privada não seja capaz de instaurar as bases produtivas para o avanço da indústria, seja por baixo retorno de capital ou por conta da baixa capacidade de investimento, cabe ao Estado brasileiro arcar com as responsabilidades de atender as demandas da população. O empreendimento estatal direto deve ser considerado como fomentador da industrialização em setores chaves que promovam o transbordamento tecnológico e a conexão de cadeias produtivas desarticuladas.

A indústria química, em especial, se apresenta como um segmento econômico estratégico para o desenvolvimento industrial. A química apresenta um déficit comercial estrutural decorrente da competitividade prejudicada pela falta de uma política industrial que articule e promova desenvolvimento do setor. No início dos anos 90, apenas 7% do Consumo Aparente Nacional era abastecido via importações. No final de 2021, 47% do consumo aparente da indústria química foi suprido por importações mostrando que uma parte considerável do aumento do consumo nacional das últimas três décadas teve como fonte importações.

O expressivo déficit na balança comercial da indústria química atesta ainda para o fato de que produtos que poderiam ser fabricados no Brasil – empregando mão de obra brasileira em postos de trabalho  qualificados, de melhor remuneração e com proteção social – estão sendo produzidos em outros países.

Em 2020, o montante de investimentos na indústria química chegou ao menor patamar desde 1995,com apenas 300 milhões de dólares. O auge do investimento na química aconteceu em 2012, quando o país investiu 4,8 bilhões de dólares. Para retomar investimentos são necessários programas específicos para os diferentes segmentos industriais a fim de atualizar e aprofundar  a infraestrutura química. Contudo, quando os programas preverem incentivos fiscais, é necessária a garantia de contrapartidas com metas sociais, como geração de emprego de  qualidade, com salário digno, condições de trabalho saudáveis e seguras, eliminação de todas as formas de discriminação no trabalho, liberdade sindical e valorização das negociações coletivas. 

As ações propostas necessitam integração à política macroeconômica colocando o desenvolvimento industrial em primeiro plano. A taxa de juros de longo prazo tem de ser revista de maneira que favoreça o crédito industrial e investimentos produtivos. De maneira similar, a taxa de câmbio tem de se estabelecer de forma estável em um patamar que favoreça nossa competitividade e a ampliação da produção industrial no país.

A reindustrialização do país deve passar necessariamente por um novo paradigma de desenvolvimento industrial que contemple as necessidades básicas da classe trabalhadora. No atual cenário, a prioridade é de mudança no perfil das indústrias para descarbonização, com  menor impacto socioambiental. Os incentivos à inovação devem ser direcionados a Pesquisa e Desenvolvimento com produtos que contribuam para mitigar os efeitos negativos da produção industrial. 

Essa transição tem de ser feita de maneira justa aos trabalhadores, contribuindo para que novos segmentos industriais tenham acúmulos das negociações coletivas com ganhos nas condições de trabalho. A ênfase no segmento industrial traz melhorias diretas e indiretas ao conjunto da classe trabalhadora com soberania produtiva, ganhos de produtividade e fomento ao consumo.

Diretamente, propomos que sejam elencadas as missões para avançar no desenvolvimento nacional: 
➢ Complexo Econômico Industrial da Saúde (CEIS); 
➢ Saneamento básico; 
➢ Habitação popular;
➢ Segurança alimentar e produtiva do agronegócio; 
➢ Reciclagem e incentivos à inovação;
➢ Mobilidade sustentável, veículos elétricos e híbridos.


➢ Complexo Econômico Industrial da Saúde (CEIS)

Atualmente, o CEIS é responsável por 25 milhões de empregos diretos e indiretos abrangendo cerca de 10% do PIB do país. Os produtos no âmbito do CEIS são, em geral, considerados de média (equipamentos médico-odonto-hospitalares) ou alta (fármacos) tecnologia. Dessa maneira, o fomento industrial ligado a área da saúde pode promover um avanço da produtividade da economia brasileira ao mesmo tempo em que são produzidos bens de maior valor agregado com empregos de remuneração acima da média. 

A vinculação do desenvolvimento industrial a uma demanda essencial do povo, no caso saúde, é central para uma política pública que tenha por essência o fomento ao CEIS. Ao trabalhar a saúde em sua totalidade e não de maneira fragmentada, o desenvolvimento do Complexo possibilita a tomada de ação de uma forma inovadora. A articulação indissociável do CEIS com o Sistema Único de Saúde é essencial na atuação do Estado enquanto promotor de desenvolvimento. No contexto da pandemia, por exemplo, a população brasileira pôde bem perceber os perigos da perda de soberania nacional quando se mostrou evidente a dependência de importação do Insumo Farmacêutico Ativo (IFA) para fabricação de vacinas.

Exemplos como a Parceria para o Desenvolvimento Produtivo e a Lei de Genéricos foram essenciais para ampliação do acesso à saúde. Ambas as iniciativas buscaram maior produção de fármacos em solo nacional modificando antigos padrões de importação generalizada de medicamentos. A utilização do poder de compra governamental articulada com o aumento da capacidade tecnológica e produtiva industrial para redução dos custos com medicamentos estratégicos mostrou-se eficiente. Iniciativas deste tipo que visem incorporação e desenvolvimento tecnológico com democratização do acesso à saúde são essenciais para um projeto de políticas públicas industriais.


➢ Segurança alimentar e produtiva do Agronegócio

A agricultura do país é a principal responsável pela balança comercial superavitária, sendo responsável por 48% do total das exportações brasileiras. Osinsumos fertilizantes são essenciais para manutenção do agro, porém a produção nacional tem sido abandonada. De 2016 a 2019, a produção brasileira de fertilizantes caiu 9% a.a. em média enquanto a importação subiu 7% no mesmo período.

A cadeia de fertilizantes nitrogenados tem como foco predominante o uso de gás natural como matéria-prima, permitindo a produção de amônia e/ou ureia. Atualmente existem sete unidades de Fabricação de Fertilizantes Nitrogenados (FAFENs). Todas surgiram como ímpeto estatal para desenvolvimento da cadeia de fertilizantes em solo nacional, mas tiveram suas plantas privatizadas e desarticuladas sendo que poucas ainda resistem ao fechamento. Tal como o restante do mundo, precisamos ainda nos colocar ao lado das condutas hoje chamadas de ESG (Environmental, Social and Governance), priorizando uma gestão econômica que valoriza o meio ambiente e minimiza o impacto ambiental.

Uma política industrial voltada à substituição de importações no segmento de fertilizantes –adequando suas taxas já que inscrito na Lista de Exceções à Tarifa Externa Comum (LETEC) – tem  de elevar a capacidade produtiva da indústria química ao mesmo tempo que oferece soberania ao agronegócio. Alternativas como a produção de fertilizantes organominerais (combinados de orgânicos com aditivos minerais) e/ou fertilizantes orgânicos podem fornecer maior sustentabilidade ambiental para agricultura, ao mesmo tempo que oferecem possibilidades de articulação de agricultores familiares com produtores em maior escala. No entanto, falta regulamentação básica, que passa pela criação de uma CNAE específica para fertilizantes orgânicos, e articulação dessa produção com consumidores da agricultura familiar e/ou médios-grandes produtores. Ademais, a indústria química é essencial à transformação das commodities do agronegócio em produtos de alto valor agregado, transbordando assim as atuais vantagens comparativas brasileiras aos demais setores da economia.

➢ Missão Saneamento Básico

De acordo com dados do Ranking de Saneamento Básico, cerca de 35 milhões de brasileiros vivem sem acesso à água tratada, 100 milhões sem coleta de esgotos (representando 47,6% da 
população) e somente 46% dos esgotos produzidos no país são tratados. A indústria do Cloro/Soda e derivados tem alta vinculação com as atividades de saneamento sendo auxiliares na preparação da água e esgoto para tratamento. Os processos de purificação da água encanada dependem dos produtos químicos industriais para abastecimento da população. Além disso, a infraestrutura predial, manutenção e ampliação da rede de atendimento demandam produtos, especialmente o Policloreto de Vinila (PVC) da indústria química.

A Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico é a entidade regulatória responsável por promover capacitação dos atores envolvidos na regulação do setor de saneamento nas esferas municipal, intermunicipal, distrital e estadual. O fortalecimento de Fóruns de articulação regional com esses atores pode apontar intersecções com a política industrial e indicar soluções aos entraves locais de populações onde a instalação de saneamento passa por diálogos intersetoriais com diversas esferas do poder público. O aumento da rede de atenção de saneamento gera benefícios externos em diversos âmbitos, empregando um maior número de trabalhadores vinculados à construção civil e reduzindo os custos locais com saúde. 


➢ Missão Habitação Popular

Conjuntamente com o problema de saneamento básico, o déficit habitacional do país também se oferece como um desafio socioambiental que pode impulsionar o desenvolvimento industrial.  Ao mesmo tempo que diminui a proporção de brasileiros vivendo em habitações precárias, o fomento estatal na habitação pode absorver grandes quantidades de mão de obra reduzindo o desemprego e alocando trabalhadores em setores com remuneração acima da média. Conforme avançam programas de habitação popular, a articulação com as indústrias que abastecem a construção destes empreendimentos é essencial para baratear a moradia e garantir estoques. Insumos como concreto, PVC, ferro, tintas, compensados estão na base da construção civil e são produtos oriundos de transformações químicas na base da cadeia.

Obras de infraestrutura, sejam vinculadas à habitação ou não, tem grande correlação com a produção industrial química do país. A utilização de compras públicas e de programas de fomento do desenvolvimento industrial regional pode ativar cadeias locais e gerar empregos de maior remuneração, aumentando a produtividade geral do segmento. 

Materiais renováveis a serem utilizados na indústria química e da construção civil têm grande potencialidade de promoção de uma economia mais verde. Há casos de inovação na química como o compensado de alumínio que possui ganhos estruturais vinculado aos processos de reciclagem do alumínio. Há outros casos que podem reduzir o impacto ambiental da construção civil e propor novos caminhos para indústria química como concreto reciclado, telhas ecológicas, piso drenante entre outros.

➢ Reciclagem, transformações biodegradáveis e incentivos à inovação

O desafio da transformação industrial voltada à sustentabilidade dos processos é central para todas as cadeias de produção. As inovações condicionadas ao desenvolvimento bioquímico de baixo impacto ambiental devem ser centrais para o avanço produtivo. A missão ambiental passa essencialmente pela engenharia de materiais sustentáveis e biodegradáveis, contudo, a tecnologia atual ainda não consegue substituir boa parte dos compostos produzidos a partir da transformação do petróleo.

Precisamos, portanto, no curto prazo, valorizar as políticas de logística reversa sem diminuir a importância da indústria de transformadores plásticos que hoje se apresenta como um dos maiores empregadores da indústria de transformação nacional (7ª posição em termos de vínculos formais e 6ª posição em massa salarial paga). Elencamos as seguintes medidas que podem elevar o potencial de geração de emprego e renda no setor mediante acompanhamento estatístico de impacto transparente: 

(i) estender a desoneração de PIS/COFINS de matérias-primas – garantida hoje pelo REIQ – para a 3ª geração petroquímica (inclusive reciclados plásticos), verificando a efetividade do pleito com uma contrapartida de queda da taxa de rotatividade setorial, tendo em vista que os referidos tributos financiam o seguro-desemprego, o abono salarial e a seguridade social no país;

(ii) criação de identidade tributária para o produto reciclado plástico, pois a resina plástica reciclada é classificada na mesma posição da NCM/TIPI das matérias-primas virgens (posição 
NCM 3901 a 3915), o que favoreceria também o combate à informalidade no setor;

(iii) realização de projetos de qualificação profissional adaptados às diferentes demandas regionais, à distribuição dos polos produtivos e ao processo produtivo empregado (injeção, 
sopro etc.); 

(iv) programa de modernização do parque industrial com implementação de centros de ferramentaria, bem como a criação de linhas de crédito específicas para instalação de dispositivos de segurança e proteção nas máquinas e equipamentos, visando reduzir os acidentes de trabalho na indústria de transformados plásticos.

No médio-longo prazo cabe ao Estado garantir que o desenvolvimento industrial brasileiro seja alavancado pela indústria de baixo impacto ambiental, utilizando novos processos produtivos que passam por reconversões de infraestrutura. O aprofundamento das atividades de reciclagem de materiais plásticos e borracha oferece matéria-prima de reutilização com benefícios socioambientais, além de gerar empregos descentralizados país afora. É necessário que essa transição seja justa aos trabalhadores, avançando na sustentabilidade social conjuntamente com a dimensão ambiental da produção industrial.

O caso de sucesso na inovação chamado convencionalmente como “plástico verde”, ou ainda, o polietileno produzido a partir da cana-de-açúcar é um exemplo do desenvolvimento da industrial química voltada à missão socioambiental. Este material substitui parte do uso do  petróleo como matéria-prima da indústria química.

O uso de materiais e óleos que tenham origem vegetal deve ser uma alternativa para parte dos bens de consumo não-duráveis. Cabe ao Estado brasileiro coordenar e incentivar áreas-chave de pesquisa que tenham este enfoque. Como indústria nascente, é necessário subsidiar os materiais ecológicos garantindo que a competitividade com materiais não-ecológicos viabilize esse desenvolvimento até que haja ganho de escala e queda nos custos de produção.

➢ Mobilidade sustentável, veículos elétricos e híbridos

Dentre as principais pautas para o desenvolvimento sustentável e descarbonização da economia está a substituição da matriz energética baseada em combustíveis fósseis. Segundo dados do Sistema de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa, 38% das emissões de GEE tiveram os transportes movidos a derivados de petróleo como base.

A matriz do transporte de passageiros e cargas no Brasil teve origem como projeto nacional do século XX que priorizou a construção de infraestrutura rodoviária em detrimento da malha ferroviária. De fato, para encaminhamento de um sistema logístico de menor custo socioambiental medidas de substituição do transporte individual e de cargas via rodovias para o sistema ferroviário, hidroviário e/ou transporte urbano coletivo são necessárias. Contudo, esse esforço requer uma mudança de matriz produtiva generalizada viável somente no médio/longo prazo. A transformação da mobilidade é multifacetada e uma de suas ações mais relevantes é a substituição da propulsão dos veículos.

É neste cenário que o veículo híbrido (eletrificado e movido a etanol) consolida alternativa na qual o país já possui infraestrutura bastante desenvolvida e de implementação viável nos próximos anos. O Brasil é o maior produtor de cana-de-açúcar do mundo, contendo cerca de 40% da produção mundial da planta. Com isso, a capacidade de produção de etanol em território nacional pode ampliar sua parcela de participação como combustível da mobilidade veicular. 

As combinações híbridas dos veículos possibilitam maior eficiência energética e sustentável, ao contrário das matrizes energéticas de energias fósseis. A eletrificação combinada dos veículos híbridos com etanol é uma etapa para no caminho de uma indústria automobilística de menor impacto ambiental. Como desenvolvimento futuro, a propulsão a partir do hidrogênio também pode fornecer um caminho de substituição dos derivados do petróleo. A utilização do poder de compra estatal tem forte influência no desenvolvimento e implementação destas indústrias e pode servir como vanguarda na substituição do transporte veicular.

Por fim, importante reforçar que esta agenda conjunta dos trabalhadores e trabalhadoras da indústria química para o desenvolvimento do setor por meio das seis missões socioambientais destacadas é um desdobramento do Plano Industria 10+. Parte da articulação de um projeto de desenvolvimento econômico e social que busca fortalecer a democracia com melhoria da qualidade de vida do povo brasileiro, reduzindo desigualdades, distribuindo renda, de forma  ambientalmente sustentável e considerando as necessidades e potencialidades das diferentes regiões do país.