O anúncio de Jair Bolsonaro na última segunda-feira (25/11), de que pretende enviar um Projeto de Lei (PL) ao Congresso Nacional para liberar o uso das Forças Armadas nos casos de reintegração de posse, manifestações e protestos é uma clara tentativa de estrangular todos os que se opuserem a seu governo.
O PL se baseia nas operações de Garantia da Lei da Ordem (GLO) das Forças Armadas, que são realizadas exclusivamente por ordem expressa da Presidência da República. Hoje, as missões de GLO só ocorrem por tempo limitado em situações em que a polícia não consegue controlar. Para aprovar seu projeto, Bolsonaro afirmou que conta com o apoio de 200 votos da bancada ruralista no Congresso Nacional.
Além de ser claramente criada contra o MST, para "fins de reintegração de posse", o PL dá carta branca para atacar toda e qualquer ação dos movimentos sociais.
A proposta foi duramente criticada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, que acenou com a possibilidade de impeachment de Bolsonaro, pelo ex-ministro da Justiça, Eugênio Aragão, que também considerou o PL inconstitucional. Estudiosos da questão agrária no país e o Movimento dos Trabalhadores sem Terra (MST) também criticam a proposta e temem o aumento da violência no campo.
Proposta é caso de impeachment
Eugênio Aragão afirma que o PL que cria a GLO/Rural é inconstitucional e pode levar ao impeachment de Jair Bolsonaro. De acordo com ele, "não tem como utilizar as Forças Armadas em ações de reintegração de posse".
E mais "um presidente não pode interferir nas leis estaduais. É inconstitucional. O próprio ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski já disse que mesmo o uso de força excessiva é caso para impeachment”, afirmou Aragão.
O ex- ministro da Justiça se refere ao artigo publicado pelo jornal Folha de São Paulo, em que o ministro do STF critica as ameaças de práticas ditatoriais por parte do governo de Jair Bolsonaro.
No artigo, Lewandowski diz que Bolsonaro pode sofrer processo de impeachment "caso venha a atentar contra o exercício dos direitos políticos, individuais ou sociais, extrapolando os rigorosos parâmetros que norteiam a atuação presidencial naquelas situações". Diz ainda que o artigo 1º da Constituição do Brasil “consubstancia um Estado democrático de Direito, fundado, dentre outros, nos seguintes valores: soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana e pluralismo político”.
GLO/Rural e licença para matar
Este novo projeto que o governo Bolsonaro está preparando é um complemento ao pacote anticrime proposto pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, que estabelece o “excludente de ilicitude”, que dá licença para que agentes das Forças Armadas, Força Nacional, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal (PRF), polícias civis e polícia e bombeiro militares, possam matar e alegar “medo, surpresa ou violenta emoção”, na hora do “confronto”, entre outros motivos. Os policiais só seriam penalizados em caso de crime doloso, intencional.
Hoje, o Código Penal, no Artigo 23, estabelece a exclusão de ilicitude em três casos: estrito cumprimento de dever legal, em legítima defesa e em estado de necessidade. Nessas circunstâncias específicas, atos praticados por agentes de segurança não são considerados crimes. A lei atual também prevê que quem pratica esses atos pode ser punido se cometer excessos.
Bolsonaro defende liberdade para matar
Ao defender o uso das Forças Armadas em reintegração de posse e o excludente de ilicitude, Bolsonaro disse, segundo reportagem da Agência Brasil, que o projeto faz justiça com os militares. “Nós queremos, com esse projeto, que o militar possa cumprir a sua missão e voltar para casa em liberdade”, afirmou.
Bolsonaro condicionou ainda a autorização de GLO rural à aprovação do excludente de ilicitude, inclusive, em casos de manifestações sociais.
“Quando se convoca GLO é para combater atos de terrorismo, defender vidas de inocentes, depredação de patrimônio público e privado, queima de ônibus, é pra isso que é GLO” e complementou: “O GLO não é uma ação social, chegar com flores na mão, é para chegar preparado para acabar com a bagunça. Agora se não querem [aprovar o excludente de ilicitude], não estou ameaçando ninguém não, não tem problema, a caneta compacto é minha, não tem GLO, ponto final”.
“Acabou a missão, morreu alguém, sempre a culpa é do militar, o militar vai responder processo e quem sabe até ser preso por causa disso. Isso não é justo”, disse Bolsonaro, explicando que o projeto prevê a atuação da Advocacia-Geral da União (AGU) na defesa dos policiais, civis ou militares.
Projeto amplia a violência no campo
Em entrevista ao Brasil de Fato, o professor de direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), Gladstone Leonel Júnior, vê com preocupação a movimentação do governo. Segundo ele, as questões agrárias no Brasil são complexas e tendem a piorar com o tom bélico do presidente.
“A partir do momento que o próprio presidente não observa a função social da propriedade e faz todo um discurso pautado na GLO e na defesa da propriedade de uma forma absoluta, algo que não existe mais há alguns séculos e a constituição não prevê, a gente vê essa quebra do estado democrático de direito de uma forma. bem delicada e bem perigosa”, disse o professor da UFF.
Rubens Siqueira, da Coordenação Nacional Executiva da Comissão Pastoral da Terra (CPT), também em entrevista ao Brasil de Fato, avalia que as afirmações de Bolsonaro acirram a violência no campo, mas não surpreendem, diante da escalada de medidas que beneficiam os mais ricos e oneram os pobres.
Ele aponta ainda os riscos de se tirar dos governos estaduais a função de negociar reintegrações de posse e substituir esse processo pelo uso das forças armadas.
“Existe hoje um padrão de reintegração de posse, dialogada, com preocupação explícita com as famílias e as pessoas. Não é que esteja sempre sendo cumprido, mas existe, principalmente por parte de governos dos estados do Norte e do Nordeste. Querem deixar de lado isso para facilitar o uso da força e a violência legalizada contra os pobres do campo.”
Já o representante da coordenação nacional do Movimento dos Sem Terra (MST), Alexandre Conceição, disse ao jornal, que a utilização da GLO para reprimir movimentos sociais é uma atitude ditatorial e o MST vai denunciar em fóruns de debate no Brasil e no mundo que o governo brasileiro constrói um arcabouço jurídico de criminalização dos movimentos sociais.
“Essa tentativa de GLO do campo é mais uma tentativa de Jair Bolsonaro de resolver um problema social, que por incompetência dele o governo não tem condições de resolver do ponto de vista econômico e do ponto de vista de amenizar a crise social que atravessa o Brasil.”
Outros três projetos que tratam de questões de segurança ainda devem ser enviados para análise do Congresso, e um deles, ainda essa semana, segundo Bolsonaro.