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26 de Abril de 2018

Agricultura de SP só tem um fiscal para monitorar agrotóxicos


Escrito por: RBA


RBA

Com mais de 8 milhões de hectares de área plantada e 300 mil unidades de produção agropecuária, a agricultura do estado de São Paulo, o mais rico da federação, padece da falta de fiscais. Ao sair do governo para disputar a Presidência da República, Geraldo Alckmin (PSDB) deixou a Secretaria Estadual de Agricultura e Abastecimento com apenas 75 servidores para monitorar o cumprimento da legislação do setor. Outros 30 deverão ser contratados por meio de concurso. E há apenas um fiscal para acompanhar o cadastramento de agrotóxicos usados em todo o território paulista.

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o estado é o quarto maior consumidor de agrotóxicos no país, que é "campeão" do mundo. Em 2015, foram despejados 62 milhões de litros de venenos sobre as lavouras paulistas, especialmente de cana de açúcar.

Em 2016 foram feitas cerca de 1.100 fiscalizações envolvendo esses produtos. Nesta semana, em Guarulhos, região metropolitana da capital, houve apreensão do correspondente a mais de R$ 10 milhões em agrotóxicos irregulares. 

Nesse ritmo, e com essa equipe, seriam necessários mais de 100 anos para a Secretaria de Agricultura visitar um terço das unidades de produção e verificar se o comércio de produtos agrícolas está seguindo a legislação.

Os dados são do Centro de Fiscalização de Insumos e Conservação do Solo da secretaria, apresentados durante reunião da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Assembleia Legislativa paulista nesta quarta-feira (25).

O deputado Padre Afonso Lobato (PV) requeriu realização da quinta audiência pública para instrução do Projeto de Lei de sua autoria, já aprovado na Comissão de Constituição e Justiça, que pretende proibir a pulverização aérea de agrotóxicos no estado. Atualmente, o PL é analisado na comissão temática, onde deverá receber emendas.

Mortandade
 A proposta partiu de denúncias do setor de apicultura e meliponicultura paulista, que a exemplo de outros estados brasileiros e diversos outros países, assiste à crescente mortandade de abelhas associada diretamente ao uso de agrotóxicos.

O problema é grave porque a função mais importante desses insetos não é produzir mel, e sim participar ativamente da reprodução, via polinização, de mais de 70% das espécies vegetais. Ou seja, sem abelhas não haverá reposição suficiente da cobertura vegetal e muito menos de alimentos para a humanidade.

O deputado diz que na região do Vale do Paraíba, onde atua, têm sido frequentes ocorrências de casos de câncer. Por isso ele passou a ouvir especialistas sobre a relação entre a doença e os agrotóxicos, representantes do setores de saúde, meio ambiente, do Ministério Público estadual e federal, Defensoria Pública estadual, das universidades e representantes da comunidade de diversas regiões do estado.

Diretamente ligada à questão, a Secretaria da Agricultura diz que medidas estão sendo tomadas. De acordo com o diretor do setor de fiscalização da pasta, Rafael Melo, são ações para mitigar os impactos da mortandade de abelhas para proteger a produção agrícola e as exportações, já que o problema é complexo.

Entre essas ações estaria o aperfeiçoamento de um aplicativo para comércio e utilização de agrotóxicos no estado. “Desde a indústria, toda a venda, os receituários agronômicos, tudo tem de estar registrado nesse sistema. É uma ferramenta de auxílio na fiscalização”, disse.

Segundo ele, todas as empresas do setor estão tendo de se adequar ao sistema. “O monitoramento deve começar a partir de janeiro. Para vender no estado, a indústria vai ter de inserir dados nesse sistema. A gente vai saber quanto entrou de agrotóxicos em um ano, quanto foi devolvido no final, tudo on-line. Estamos também fazendo convênios com plataformas de venda on-line, onde há contrabando de agrotóxicos, para tirar anúncios irregulares. Estamos caminhando para ter uma regulação como a dos remédios”.

De acordo com Melo, toda a cadeia bananeira de Registro, no Vale do Ribeira, está sendo cadastrada. “Precisamos agilizar a interação de ações de diversas secretarias para pelo menos mitigar o problema. Para nós isso é primordial porque estão em jogo as nossas exportações”, destacou.

Ele informou ainda a formação de parcerias com o Ministério Público. E com os próprios fabricantes para a utilização de um aplicativo da Associação Brasileira de Estudos das Abelhas (A.B.E.L.H.A), que avisa apicultores cadastrados sobre o momento em que haverá pulverização para que sejam fechadas as caixas com as colmeias. "É a solução que temos por enquanto."

A informação foi mal recebida por pesquisadores e entidades de criadores de abelhas, produtores de mel, defensoras das abelhas, da saúde e do meio ambiente, que temem os efeitos desses claros conflitos de interesses entre o público e o privado, quando o privado é apontado como principal agente de extermínio das polinizadoras, da intoxicação aguda e crônica e da contaminação do meio ambiente.  

Diretora executiva do sindicato das indústrias de agrotóxicos, o Sindiveg, Sílvia Fagnani esteve na audiência. Durante a audiência pública, mesmo admitindo não sendo especialista no assunto, Sílvia chegou a afirmar, em resposta a questionamento da plateia, que os agrotóxicos "se degradam, se quebram em outras moléculas". E negou que os produtos fabricados por seus associados deixem resíduos nos alimentos e no meio ambiente ou façam mal a abelhas.

Muito menos que estejam entre os principais causadores de diversos tipos de câncer, malformações congênitas e outros problemas de saúde, conforme atestam pesquisas científicas de instituições de prestígio no Brasil e em todo o mundo.

Sem esconder um riso que por vezes aparentava deboche durante o relato de dados científicos, admitiu apenas que essas substâncias são utilizadas em caso de suicídios, que cada vez mais fazem vítimas no campo e na cidade.

Paraquat em Ilha Bela
“E como (a substância) vem parar na cidade, na boca de quem comete o ato? É porque não tem fiscalização”, advertiu a farmacêutica Eliane Gandolfi, coordenadora do Núcleo de Toxicovigilância do Centro de Vigilância à Saúde da Secretaria de Agricultura, destacando ser um posicionamento pessoal, e não oficial.

A servidora, que coordena também um programa voltado à eliminação da capina química das cidades paulistas há três anos, disse que a prática, na qual o agrotóxico substitui a enxada ou outra ferramenta, é adotada em mais de 60% dos municípios do estado. “A maioria de nossas prefeituras, com licitação, tudo certinho, compra agrotóxicos químicos. Exemplo é Ilha Bela, que usava paraquat. Felizmente a gente conseguiu reverter em alguns lugares”.

“É preciso regular os agrotóxicos como se regula o remédio, responsabilizando dados de quem está mandando usar. Porque depois que a doença se instala, não dá pra saber se aquele câncer foi causado por esse ou aquele agrotóxico", defende Eliane.

O paraquat é um ingrediente ativo de herbicidas que chegou a ser usado na capina química em Ilha Bela. Afeta o aparelho respiratório, gastrintestinal, os rins, os sistema nervoso central, as glândulas supra renais e é capaz de atravessar a placenta.

Depois de avaliações ao longo de dez anos, a Anvisa decidiu, em setembro passado, banir esse veneno em três anos, desde que até lá não surjam provas de que o produto realmente cause Mal de Parkinson, fibrose pulmonar ou intoxicações agudas graves, que estão na lista de efeitos tóxicos que levam diversos países a proibi-lo, como a União Europeia, Noruega, Bósnia-Herzegovina, Kuwait, Malásia, Camboja, Laos, Emirados Árabes, Síria, Coreia do Sul, China (nesta, é produzido para exportação), El Salvador e em dez países africanos.

O prazo largo dado pela agência é comemorado pelos fabricantes e por representantes da aviação agrícola, que resistem ao projeto do Padre Afonso Lobato. Sem apresentar estudos, Bruno Vasconcelos, secretário do Sindicato Nacional das Empresas de Aviação Agrícola (Sindag) questionou, entre outras coisas, recomendações do promotor Ivan Carneiro Castanheiro, que atua no Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente (Gaema) da Promotoria de Justiça de Americana, quanto à adoção de equipamentos nas aeronaves para reduzir a chamada deriva das pulverizações enquanto não forem proibidas. Castanheiro mencionou um extenso estudo encomendado a um especialista pelo colega Gabriel Lino de Paula Pires, do Gaema do Pontal do Paranapanema, que comprova a dispersão de gotículas dos venenos pelos ventos, que atingem escolas, hospitais, praças e residências a grandes distâncias dos alvos. Clique aqui para acessar o documento na íntegra.

Caixa preta 
O defensor público Marcelo Novaes, da Defensoria Pública do Estado de São Paulo em Santo André, no ABC Paulista, não tem dúvidas de que as políticas no estado, bem como as agências reguladoras, a Anvisa entre elas, são permeáveis às influências dos fabricantes. O setor, segundo ele, é beneficiado ainda pela dificuldade de acesso às informações – que o Sindiveg nega existir. "Trata-se de uma política que impede a circulação de informações para que a sociedade e o poder público tomem decisões. Não se sabe ao certo quanto se usa, quanto se vende, quanto é aplicado, quanto é produzido. Não sabemos ainda quanto foi usado em 2017 em São Paulo", disse.

"Eu gostaria de saber o que representa cada produto para ser usado em aplicação terrestre ou pulverização aérea. Afinal, a cada dois dias uma pessoa morre intoxicada no Brasil, o que pode ser multiplicado por 50 conforme a Organização Mundial da Saúde (OMS). O médico vai prescrever o que, se não sabe o que tem dentro? Não temos informações".

Mencionando dados do mesmo estudo encomendado pelo promotor Gabriel Lino, Novaes lembrou que, em 2015, a pulverização aérea foi feita sobre 29 quilômetros quadrados, ou seja, 11,82% do território paulista. E que 43% das substâncias usadas eram fungicidas e inseticidas – o que na sua comparação são armas de guerra, enquanto que o glifosato, herbicida mais vendido no mundo, seria um revólver calibre 22. "É fichinha", disse. "Não tem controle, não tem fiscalização. Tem de ter, e tudo via eletrônica. Tem de ter imposto verde, fazer prevalecer o princípio do poluidor pagador. Causou prejuízo, tem de pagar. E em vez disso o governo concede desonerações fiscais: Um bilhão e duzentos mil reais só em 2015".

Para o coordenador do Fórum Nacional de Combate aos Efeitos dos Agrotóxicos e Transgênicos, o procurador regional do Ministério Público do Trabalho (MPT) em Pernambuco, Pedro Luiz Serafim, há um grande problema. "Agrotóxico é problema sim. Não existe aplicação segura. O produto fica. E pode evaporar, caindo na chuva, chegando à água. No Brasil são permitidos níveis de agrotóxicos na água 5 mil vezes maior que nos países europeus. São Paulo está tendo a oportunidade de buscar soluções que vão reverberar no país e até no Exterior".

Espera-se agora que a Comissão de Meio Ambiente encaminhe requerimentos de informações aos diversos setores governamentais estaduais e federais, como o Ministério da Agricultura, Anvisa e Ibama que, até agora, parecem dificultar a transparência sobre tema de interesse de todos em detrimento de interesses de pouquíssimos.