A educação popular não é apenas uma forma de inovar o processo ensino-aprendizado, mas expressa uma concepção ideológica de ser humano e de mundo. Ela antecede a educação escolarizada, pois se refere às trocas de saberes que circulam no cotidiano de organizações sociais e sindicatos, não estruturadas a partir da divisão social do conhecimento.
Completam-se, neste ano, duas décadas sem Paulo Freire, educador popular pernambucano que sistematizou a pedagogia do oprimido a partir de trabalhos de base e alfabetização, tanto no Brasil quantos em diversos países.
Também 2017 marca o centenário da primeira greve geral no Brasil, desencadeada a partir da paralisação de operárias da indústria têxtil em São Paulo. Elas reivindicavam aumento de salário e redução da jornada de trabalho, até então não garantidos por lei. Em poucas semanas a greve se espalhou por diversos setores da economia, pelo estado de São Paulo e, em seguida, Rio e Porto Alegre.
Paulo Freire e a greve geral de 1917 aproximam-se nesta iniciativa pioneira do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) - a Escola Dieese de Ciências do Trabalho, que há pouco visitei em São Paulo.
Credenciada pelo Ministério da Educação em 2012, a escola oferece um inédito bacharelado interdisciplinar em Ciências do Trabalho, com duração de três anos. Três turmas, com 60 alunos no total, já se formaram no curso, e outras três seguem em andamento. A partir de 2015, a escola passou a oferecer também curso de pós-graduação em Economia e Trabalho, com 35 alunos em duas turmas já formados e atualmente com duas turmas em andamento.
Paulo Freire escreveu que “não basta saber ler que Eva viu a uva. É preciso compreender qual a posição que Eva ocupa no seu contexto social, quem trabalha para produzir a uva e quem lucra com esse trabalho.”
A proposta pedagógica da Escola Dieese visa à alfabetização política de trabalhadores para a ação sindical. Tarefa urgente diante das ações do governo Temer e do Congresso Nacional dominado por interesses empresariais empenhados em desmontar o sistema brasileiro de relações de trabalho e favorecer as empresas nas negociações com os sindicatos.
A educação popular não é apenas uma forma de inovar o processo ensino-aprendizado, mas expressa uma concepção ideológica de ser humano e de mundo. Ela antecede a educação escolarizada, pois se refere às trocas de saberes que circulam no cotidiano de organizações sociais e sindicatos, não estruturadas a partir da divisão social do conhecimento.
A educação popular também pode ser definida a partir dos movimentos políticos com caráter educativo presentes no Brasil e na América Latina desde a década de 1960. Uma educação que se reivindica política, humanizadora e construtora de um projeto novo de nação.
A Escola Dieese retoma a formação sindical com intencionalidade transformadora da realidade. Toda ação de opressão se defronta com uma ação de resistência de homens e mulheres que lutam, no cotidiano, por mais liberdade. No entanto, a resistência, assim como a opressão, nem sempre é vivenciada de forma consciente por educandos e educadores.
Essa percepção é uma descoberta que exige releitura do mundo. Muitos sindicatos e a Escola Dieese buscam ser um espaço de cultivo dos elementos de resistência que se expressam de diferentes formas. Descobri-los e potencializá-los é um longo caminho a ser trilhado por educadores e educandos. Afinal, como escreveu Paulo Freire, “a pessoa conscientizada tem uma compreensão diferente da história e de seu papel nela. Recusa a se acomodar, mobiliza-se, organiza-se para mudar o mundo.”
Foi assim na greve de 1917. É urgente que seja assim no Brasil a partir deste ano de 2017.