Todo ano é a mesma coisa. Passada a ressaca da maravilhosa festa carnavalesca, pouco a pouco o Brasil começa a retomar o ritmo de sua característica normalidade. De volta ao planeta Terra, com os pés no chão e o necessário enfrentamento das dificuldades de toda ordem. No caso, falaremos agora da economia.
2016 trouxe consigo o elemento simbólico de uma possível e desejada mudança no Ministério da Fazenda. Para surpresa geral, Joaquim Levy ainda foi agraciado pela Presidenta Dilma com um generoso cargo na direção do Banco Mundial (BM). Ele será o responsável pela importante diretoria financeira internacional da instituição multilateral. Dessa forma, o diretor do Bradescão vai enriquecer ainda mais o seu currículo profissional na banca privada, sempre às custas das bondades do governo brasileiro.
A substituição do representante explícito do financismo deu-se com a transferência de Nelson Barbosa da pasta do Planejamento para a Fazenda. A expectativa generalizada, em função de tal dança de cadeiras na Esplanada, reside na possibilidade de alguma mudança na orientação da política econômica do governo. Houve uma tentativa de transmitir alguma esperança de alteração de rota, com a retomada das reuniões do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social.
Mudança na Fazenda e reunião do Conselhão.
Mas as vozes que falaram pela equipe de Dilma no Conselhão frustraram quem ansiava por demonstrações efetivas de alguma reorientação. O Presidente Tombini, do Banco Central, retomou o monocórdico discurso de se manter atento à elevação dos preços e ofereceu a garantia de que a autoridade pretende levar a inflação à meta de 4,5% em 2017. Uma loucura! Haja elevação da SELIC para cumprir com essa meta equivocada e inatingível. O Ministro Nelson Barbosa retomou a perigosa lengalenga a respeito da necessidade de se impor uma sistemática de redução de gastos públicos em lei. Não bastasse incorporar esse pleito antigo do financismo para dentro da pauta de Dilma, ele voltou a insistir na reforma da previdência para o curto prazo. O movimento sindical, os aposentados e amplos setores da sociedade civil já demonstraram sua discordância com tal estratégia.
A Ministra Katia Motosserra Abreu estava completamente à vontade no encontro, dirigindo-se diretamente a Dilma e não respeitando nem os tempos cronometrados pelo Ministro Chefe da Casa Civil. Deitou falação a respeito das virtudes do agronegócio e da importância desse segmento para qualquer perspectiva de retomada do crescimento. Caso suas interpretações sejam aceitas de fato, o Brasil não sairá jamais de sua condição de reprodução subalterna do modelo neo-colonial do século XXI. O Ministro Armando Monteiro, representando a indústria e o comércio, sugeriu uma profunda reorientação de nossa política comercial, com a redução dos compromissos com o Mercosul e a retomada dos perigosos acordos bilaterais com Estados Unidos, União Europeia e outros parceiros.
Alguma espécie de contraponto foi feito na fase inicial da reunião, quando alguns representantes dos trabalhadores, dos empresários e da sociedade civil fizeram uso da palavra. Porém, estavam ainda na tônica de exaltar a recuperação da dinâmica dos trabalhos do Conselhão e não se manifestaram de forma tão explícita a respeito das alternativas para a retomada do crescimento e do desenvolvimento. E essa tarefa crítica era essencial, pois causa muito constrangimento imaginar que as falas dos ministros, tão carregadas de conteúdo tão liberal e conservador, sejam a única expressão das intenções de um governo que pretende defender os interesses dos trabalhadores e da maioria da população do País.
SELIC a 14,25% inviabiliza a retomada.
A conversão da troca de comando no Ministério da Fazenda em mudanças necessárias na condução da política econômica vai depender, ao que tudo indica, das pressões exercidas de fora do governo. A equipe de Dilma tem de ser convencida de que a continuidade do austericídio, por mais travestido que esteja em suas novas roupagens, não levará o Brasil ao caminho que a maioria deseja. A manutenção da política de cortes orçamentários nas rubricas sociais e nos investimentos só fará aprofundar o quadro recessivo. Oferecer a cenoura da reforma previdenciária, com a ilusão de agradar aos representantes do capital, não resolve os problemas fiscais de curto prazo e fragiliza a continuidade do regime de uma previdência pública e universal no longo prazo.
O descompasso fiscal se resolve com introdução de novos tributos sobre renda e capital e não apenas com cortes de despesas. A recuperação da capacidade arrecadatória será reforçada pela retomada das atividades econômicas e não com a manutenção da passividade governamental diante do atual quadro da recessão e do desemprego.
E a melhor sinalização de que o governo pretende mesmo que a economia seja reativada encontra-se no domínio da política monetária. A SELIC deve ser reduzida! Esse é o ponto de partida fundamental. Já se perdeu uma oportunidade de ouro, quando da realização da primeira reunião do Comitê de Política Monetária (COPOM) sob a nova direção da economia. Naquele encontro de 19 e 20 de janeiro acabou por prevalecer a chamada estratégia do “bode na sala”. Houve tanto bombardeio por parte do financismo através dos meios de comunicação pela elevação ainda maior da taxa oficial de juros, que a simples decisão de não aumentá-la terminou por oferecer a equivocada sensação de alívio.
Tiraram o bode na sala e muita gente se sentiu respirando com menos sufoco. Houve mesmo até quem cantasse vitória, quando Tombini cedeu às recomendações do FMI e coordenou uma deliberação no colegiado pela manutenção da SELIC no elevadíssimo patamar de 14,25% anuais. No entanto, não basta essa conduta tímida diante das pressões exercidas pela banca. Recuperar o crescimento da economia do mundo real implica em modificar a estrutura de ganhos trilionários do sistema financeiro. Basta verificar os balanços dos bancos e das demais empresas da indústria e dos serviços.
COPOM deve reduzir os juros.
Apesar do quadro generalizado de perdas, falências, recessão e desemprego, o financismo é o único setor a exibir lucros crescentes e incessantes. E um dos fatores que contribuem para tal realidade vergonhosa é, sem dúvida alguma, o nível cronicamente estratosférico de nossa taxa de juros. Esse fato inviabiliza, já logo na raiz, qualquer outro tipo de atividade que não seja a especulação financeira.
A tarefa para os próximos dias deve se concentrar na luta pela redução efetiva da SELIC na próxima reunião do COPOM. Nos dias 1 e 2 de março o colegiado voltará a se reunir e seus integrantes devem ser sensibilizados para tal mudança de postura. Não existe caminho possível para o desenvolvimento social e econômico com tal patamar de taxa de juros. É hora de o governo superar a simples retórica da mudança e oferecer medidas concretas para que esse objetivo possa ser atingido.