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O que está por trás do alarde sobre a inflação de alimentos no Brasil

Depois de uma trégua em 2023, os preços dos alimentos voltaram a subir no ano passado. Enquanto a inflação média foi de 4,77% em 2024, a alimentação acumulou alta de 7,60%, de acordo com dados do INPC-IBGE (Índice Nacional de Preços ao Consumidor, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Também a Pesquisa Nacional da Cesta Básica de Alimentos, realizada pelo DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) em 17 capitais, indicou aumento de preços em 2024, principalmente do café em pó, leite integral, óleo de soja, arroz agulhinha e da carne bovina de primeira.

Os resultados afetam os orçamentos de todos, principalmente das famílias mais pobres e, ao mesmo tempo, servem como munição para o mercado financeiro continuar a pressionar pela ampliação da taxa de juros, com o argumento de que essa seria a solução para a alta dos preços.

A saída para a inflação dos alimentos vivida hoje no Brasil não é a elevação dos juros. A prova é que, apesar dos altos juros com os quais o país tem convivido, os preços dos alimentos subiram no ano passado e a retomada dos aumentos da taxa Selic, desde setembro de 2024, não mudou o quadro. Rentistas e financistas defendem a medida porque lucram com especulação.

Além disso, aumentar os juros tem efeito contraproducente, pois coloca em risco a segurança alimentar de grande parte dos brasileiros e impõe obstáculos ao crescimento econômico. A inflação do momento pouco tem a ver com demanda e, para ser solucionada, necessita de políticas robustas, que contribuam para reformular o abastecimento.

O mercado diz que o desemprego menor e o aquecimento econômico interno têm pressionado a demanda por alimentos, causando a alta de preços. Como é sabido, entre 2019 e 2022, milhões de brasileiros voltaram a passar fome. Com o retorno dos programas sociais e a retomada do emprego, felizmente, hoje, essas pessoas conseguem comer melhor. É um disparate associar o acesso dessa população a emprego e comida ao problema dos preços.

O fato de ter aumentado o consumo de alimentos por aqueles que antes passavam fome representa a correção de um problema social grave, que não deveria existir ou ser menosprezado. Ademais, a produção de mantimentos em geral tem crescido muito no Brasil e, segundo o Ministério da Agricultura e Pecuária, deve aumentar 15,5% nos próximos 10 anos.

A causa da atual inflação de alimentos

A atual inflação dos alimentos é provocada por diferentes fatores, entre eles, a instabilidade climática causada pela destruição ambiental, que coloca em risco a produção no campo em todo o mundo. O clima muito quente ou frio, longas estiagens, chuvas torrenciais, geadas têm causado estragos nas produções de vários países: café, no Vietnã, trigo, na Rússia e Ucrânia, cacau, na África, e diversos alimentos no Brasil.

É fundamental fortalecer o debate sobre o aquecimento global para sensibilizar governos e sociedades sobre a necessidade de uma nova forma de produzir, consumir e distribuir a renda. O crescimento do Brasil no comércio internacional também tem relação com a alta de preços aqui. O país exporta commodities e alimentos em volumes cada vez maiores, anualmente. Isso faz com que o preço internacional dos gêneros alimentícios e a taxa de câmbio se tornem protagonistas na composição dos preços. Como é crescente a demanda externa, o preço internacional sobe e pressiona os valores de comercialização internos. E a taxa de câmbio desvalorizada incentiva os produtores brasileiros a exportarem mais, o que causa, em algumas situações, redução da oferta interna.

Vale citar a alta do preço internacional do café em 2024: o problema na safra do Vietnã e as especulações em torno da capacidade do Brasil para cobrir a demanda pressionaram para cima os valores do grão nas bolsas. Segundo o Fundo Monetário Internacional, os preços do café robusta, comercializado na Bolsa de Nova Iorque, subiram 144,2% entre novembro de 2023 e o mesmo mês de 2024. Por aqui, o consumidor pagou 50,2% a mais entre dezembro de 2023 e de 2024, conforme dados do DIEESE. Já o quilo da carne, cujo preço sobe desde 2019 devido ao grande volume exportado, custava, na média das capitais pesquisadas pelo DIEESE, R$ 23,19 em janeiro de 2019. Em dezembro de 2022, valia R$ 41,23. Durante 2023, o preço caiu e, em dezembro, chegou a R$ 37,84 em média. Ficou nesse patamar até setembro de 2024, quando voltou a aumentar. Até dezembro, a alta foi de 20,47%. Nesse caso, é preciso fazer alguns questionamentos: 1 - se o confinamento do gado, por causa das estiagens e queimadas, e a entressafra do produto justificam a alta; 2 - qual seria o papel do câmbio nos aumentos; e, por último, 3 - se haveria especulação por parte dos frigoríficos.

É essencial conhecer as causas da inflação dos alimentos para não se abraçar ideias que não vão resolver o problema e que claramente têm outros objetivos, como as defendidas pelo mercado financeiro. A recomposição do sistema dos estoques reguladores, totalmente desmontado pelos governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro, é fundamental para balizar os preços dos alimentos, e, apesar de estar em andamento, não é simples de ser feita.

O baixo volume estocado atualmente demonstra a grande dificuldade enfrentada pela Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) para restabelecer o estoque nesse atual cenário de instabilidade climática e especulação com os preços dos gêneros alimentícios. O país precisa fortalecer as políticas de ampliação da área plantada de diversos alimentos, não apenas de soja e milho, e aumentar o acesso e o apoio à agricultura familiar, que é a maior responsável pelo abastecimento interno.

Também é primordial implementar medidas que promovam a agricultura urbana; garantam que a redução dos impostos dos produtos da cesta básica chegue até o consumidor na ponta; incentivem as cadeias curtas e redes agroalimentares (diminuindo ou eliminando intermediários nas relações entre produtores e consumidores); estabeleçam controles para exportação de bens essenciais à alimentação, entre outras.

* Escrito em parceria com Patrícia Lino Costa, economista e supervisora da área de preços do DIEESE

Adriana Marcolino

Adriana Marcolino |
Socióloga e diretora técnica do DIEESE