Pesquisas conduzidas pela Fundacentro e divulgadas no último dia 28/02 fazem um levantamento das lesões e doenças relacionadas ao trabalho que mais tem acometido os trabalhadores, no período de 2006 a 2016.
Uma das pesquisas, tendo como fonte de informação o Anuário Estatístico da Previdência Social de 2016, que apesar de se restringir apenas aos segurados do Seguro de Acidente do Trabalho, continua sendo considerada devido à sua abrangência nacional. No AEPS foram encontradas inconsistências nos dados, especialmente no que se refere às doenças associadas às LER/Dort.
Inconsistências
Um exemplo dessa inconsistência foi destacada pela pesquisadora e médica da Fundacentro, Maria Maeno, que observa que em 2014, representavam aproximadamente 52% das doenças com CAT (Comunicação de Acidente do Trabalho) emitida. Em 2015, passaram a representar proporção abruptamente menor, quase 29% e em 2016, aproximadamente 4%. Dos eventos sem CAT, que representam o resultado da aplicação do Nexo Técnico Epidemiológico, em 2014, as doenças associadas às LER/Dort representavam aproximadamente 35%; em 2015 passaram a aproximadamente 15% e em 2016, quase 4%.
De acordo com a médica, essa inconsistência se revela com a contaminação da rubrica de doenças relacionadas ao trabalho, pelo registro de lesões decorrentes de acidentes (traumas, queimaduras, fraturas). “Ao contrário do que se esperava, os registros dos transtornos psíquicos não estão substituindo as doenças associadas às LER/Dort e sim essas lesões macrotraumáticas, de forma errônea”, destaca Maeno.
Outra inconsistência a ser checada é a disparidade entre os dados sobre LER/Dort da Previdência Social e os coletados pela Pesquisa Nacional de Saúde realizada pelo IBGE em 2013, observados no Boletim Fundacentro.
Outros fatores apontados pela pesquisadora, como o aumento dos empregos formais e a queda no número de segurados empregados a cada ano, a reforma trabalhista, aprovada pela Lei 13.467/2017 também irão contribuir para o trabalho intermitente e a terceirização irrestrita, aumentando com isso o número de doenças ocupacionais e acidentes do trabalho.
Os números da LER/Dort em 10 anos
Em 2006, as doenças que mais foram registradas eram a dorsalgia, lesões de ombro, sinovite e tenossinovite, outras entesopatias e mononeuropatias representando 16.981 ou 56,28% das doenças ocupacionais com CAT, pois não havia sem CAT. O que havia eram erros que levavam a fraturas e amputações, mas menos significativo.
Em 2007, foram registradas 12.695 doenças relacionadas a LER/Dort, ou 56,74%, com CAT, e 54,30%, ou 76.618 dos AT (acidentes de trabalho) e DO (doenças ocupacionais) sem CAT. Já em 2008, 11.931 doenças foram registradas, ou 58.61% com emissão de CAT. Sem CAT foram 91.265, ou 44,53% dos AT e DO sem CAT.
No ano de 2009, com emissão de CAT foram 11.210, ou 57,28% e sem CAT, 76.582, ou 38,46% dos AT e DO sem CAT. Em 2010, com CAT= 8.316=48,41% e sem CAT= 39357 = 21,90% dos AT e DO sem CAT. No ano seguinte, com CAT=9.291=55,17%, sem CAT=64.049=36,24% dos AT e DO sem CAT. Em 2012, com CAT= 7.461 = 44,15%, sem CAT=50.708=30,22% dos AT e DO sem CAT.
No ano de 2013 há uma queda abrupta nos dados apresentados. Das doenças com CAT houve somente 197 registros, ou 1,15% e sem CAT, 2.628 ou 1,62% dos AT e DO sem CAT.
Em 2014, há um aumento significativo: registro com CAT= 9.507=54,02% e sem CAT=51.874=35,04% dos AT e DO sem CAT.
E por fim, nos anos de 2015, com CAT – 4.455- 28,95% e sem CAT – 17.548 – 15,31% dos AT e DO sem CAT e em 2016 novamente com erro nos registros, com o número de 513, ou 4,10% das doenças com CAT e 3.990, ou 3,83% dos AT e DO sem CAT.
Em novembro de 2017, a médica da Fundacentro da Bahia, Cristiane Maria Galvão Barbosa participou de audiência pública onde o tema abordado foi o “Adoecimento no setor bancário”. Os resultados obtidos mostram um progressivo adoecimento dos trabalhadores bancários por doenças osteomusculares e transtornos mentais, associado à exposição a fatores de riscos presentes no ambiente de trabalho de natureza ergonômicos, biomecânicos e de assédio moral.
Além da Fundacentro, a construção do documento contou com a coordenação do Ministério Público do Trabalho, congregando o Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região, a Superintendência Regional do Trabalho do Estado da Bahia – Ministério do Trabalho, o Instituto Social de Previdência Social, a Diretoria de Vigilância e Atenção à Saúde do Trabalhador/Centro Estadual de Referência em Saúde do Trabalhador – Cesat, o Centro de Referência em Saúde do Trabalhador de Salvador – Cerest Salvador, a Federação dos Bancários do Estado da Bahia e Sergipe e o Sindicato dos Bancários da Bahia.
Reflexão
Em 2014, várias instituições preocupadas com o aumento das Lesões por Esforços Repetitivos (LER) ou Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (Dort) elaboraram um documento sob o título de “O que fazer para não repetirmos as mesmas histórias ano a ano?”.
No texto são apontados os aspectos da organização do trabalho e dos métodos gerenciais como causadores no agravamento das LER/Dort e a análise de que décadas foram necessárias para que os Ministérios da Saúde e da Previdência Social (hoje Secretaria da Previdência), reconhecessem a doença. Entretanto, as histórias vêm se repetindo ao longo dos anos e as LER/Dort continuam a figurar entre as doenças ocupacionais que mais geram incapacidade produtiva prolongada.
Após anos de altas prevalências de LER/Dort nas estatísticas de serviços de saúde do trabalhador, da Previdência Social e de sindicatos de trabalhadores dos anos 1990 e 2000, há uma percepção geral de que os transtornos psíquicos relacionados a aspectos organizacionais e de gestão do trabalho vêm crescendo em todos os setores da economia.
Em 2018, ou seja, decorridos 4 anos da elaboração do texto, é necessário observar as mudanças da conformação do mercado de trabalho que deverão se aprofundar nos próximos anos, com a terceirização irrestrita, trabalho intermitente e home office, os quais constituem-se em alguns dos elementos de precarização das relações de trabalho e de menor proteção aos direitos sociais.
É nesse contexto, mais do que nunca, que órgãos como a Fundacentro se dediquem a estudos que subsidiem ações públicas, de forma a propiciar mudanças efetivas nas condições e organização do trabalho, condição essencial para que acidentes, doenças e incapacidades sejam evitados. A capacidade das organizações dos trabalhadores em dar visibilidade à sua saúde e ao seu adoecimento é primordial para que a sociedade passe a incorporar de fato a saúde como direito constitucional e irrenunciável.