O governo de Jair Bolsonaro (PSL) pretende acabar com a Política de Valorização do Salário Mínimo, que ajudou a aquecer a economia, incentivou o consumo das famílias, aumentou a renda da classe trabalhadora e dos aposentados e foi um importante instrumento de combate à pobreza no Brasil.
No texto que traça as diretrizes para o Orçamento do ano que vem, Bolsonaro propôs que o piso do salário mínimo seja de R$ 1.040 a partir de janeiro de 2020. O valor prevê apenas a reposição da inflação, estimada em 4,2% este ano, sem aumento real.
Se essa proposta for aprovada pelo Congresso Nacional em dezembro, quando os parlamentares aprovam a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) do ano seguinte, será oficialmente extinta a Política de Valorização do Salário Mínimo, negociada entre a CUT e demais centrais sindicais e o governo do ex-presidente Lula em 2004.
“Nós não vamos deixar essa tragédia acontecer. Vamos procurar os deputados, vamos de gabinete em gabinete, se for preciso, falar sobre a importância desta política para o Brasil e os brasileiros, em especial os mais pobres”, diz o presidente da CUT, Vagner Freitas.
“Vamos ocupar as ruas e mostrar aos parlamentares os impactos negativos para o país, se Bolsonaro insistir com o fim dessa política que garantiu a ampliação da massa salarial, a dinamização da economia e o aumento do consumo das famílias brasileiras”.
Segundo Vagner, além do aumento da média salarial dos trabalhadores que ganham próximo ao piso, cerca de 70% dos municípios do país (3.875 cidades) têm como maior fonte de renda os benefícios pagos pela Previdência Social, a maioria com base no salário mínimo.
Entre 2005 e 2019, a Política de Valorização do Salário Mínimo contribuiu para aumentar em 238,8% o piso nacional, enquanto a inflação medida pelo INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor), responsável pela correção dos benefícios previdenciários acima do piso, subiu 120,2%.
Na prática, nos últimos 14 anos, os trabalhadores e aposentados que recebem o piso do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) acumularam um aumento real de 74,3%, segundo projeções feitas pelo Dieese.
Isso significa que, se não fosse a Política de Valorização do Salário Mínimo, o piso nacional em 2019 seria de apenas R$ 573. Ou seja, R$ 425 dos R$ 998 do salário mínimo atual é resultado dessa política.
Em um ano, a diferença de R$ 425 na renda mensal acumularia um prejuízo no bolso dos trabalhadores e trabalhadoras de mais de R$ 5 mil. Atualmente, cerca de 48 milhões de brasileiros recebem a remuneração mínima no país.
Desse total, segundo o Dieese, são 23,3 milhões de beneficiários do INSS; 12,2 milhões de trabalhadores com carteira assinada; 8,6 milhões de autônomos e outros 3,8 milhões de empregados domésticos.
Impactos do fim da política
Para o ex-ministro do Trabalho e da Previdência, Luiz Marinho, a Política de Valorização do Salário Mínimo que Bolsonaro e sua equipe econômica querem destruir foi negociada com maturidade e responsabilidade, baseada no bom senso e no equilíbrio, tanto das contas públicas quanto dos benefícios para os trabalhadores.
“Ao destruir a política, Bolsonaro e sua equipe destroem um projeto de país mais justo”, afirma Marinho, que foi responsável por elaborar a proposta como presidente da CUT e pela implementação da política como ministro do ex-presidente Lula.
“Mais que isso”, continua Marinho, “destrói o sonho dos cidadãos que dependem do piso nacional de sobreviver com o mínimo de dignidade”.
O diretor técnico do Dieese, Clemente Ganz Lúcio, explica que acabar com esse mecanismo de valorização do mínimo e propor como alternativa achatar a massa salarial da classe trabalhadora significa menos consumo, mais desemprego e enfraquecimento da economia. "Será a volta da desvalorização da base salarial, a perda da capacidade de consumo das famílias, o que, necessariamente, irá impactar nos resultados econômicos e no aumento do desemprego", diz ele.
Segundo o direto técnico do Dieese, a pobreza e a desigualdade social, que vinham diminuindo ao longo dos últimos 14 anos, voltarão a crescer. “Com a política de valorização, o salário mínimo, que era tão baixo, começou a resgatar os trabalhadores da pobreza e eles passaram a ganhar um salário cada vez maior”, afirma.
"É uma política fundamental para diminuir as desigualdades e essencial para que o mínimo, crescendo, se aproxime do valor do salário necessário para se viver”, diz Clemente, se referindo ao salário mínimo ideal calculado pelo Dieese, que deveria ser hoje de R$ 4.300.
Histórico da política de valorização
A Política de Valorização do Salário Mínimo proposta pela CUT e demais centrais sindicais foi implementada em 2004 pelo ex-presidente Lula. A política foi adotada após três marchas que levaram milhares de trabalhadores e trabalhadoras a Brasília com o objetivo de pressionar os poderes Executivo e Legislativo.
Em 2007, depois de novas negociações com as centrais sindicais e do resultado positivo da medida, a política ganhou a fórmula que vigorou até este ano: a correção do piso levava em conta o resultado do Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos antes mais a inflação do ano anterior, medida pelo INPC.
O acordo também previa a antecipação progressiva da data-base de maio para janeiro, porém só saiu do papel em 2010. Já em 2011, a Política de Valorização do Salário Mínimo foi definitivamente transformada em lei pela ex-presidente Dilma Rousseff (PT).
No entanto, o modelo, que garantia o ganho real do mínimo sempre que houvesse crescimento econômico, perdeu a validade em 1º de janeiro deste ano. Estava prevista uma nova rodada de negociações com empresários e trabalhadores para renovar e aperfeiçoar o acordo, segundo a lei.
Porém, o governo de Bolsonaro, ao invés de abrir o diálogo e encaminhar ao Congresso Nacional uma proposta para manter a valorização do mínimo, decidiu enviar uma projeção de Orçamento que pretende acabar com a política e reajustar o salário mínimo apenas com base na inflação.