Em entrevista à alemã Deutsche Welle neste Dia Internacional da Água, o pesquisador e engenheiro agrônomo Gilberto Cervinski, coordenador do Fórum Alternativo Mundial da Água e dirigente do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), explica que o debate central hoje no mundo é do controle da propriedade privada sobre a água.
“A água é um direito, não uma mercadoria. E o que está em disputa no mundo, o controle da água, se materializa na proposta de transformar a água numa grande mercadoria internacional. Isso a partir das privatizações e da organização da água de acordo com a lógica do sistema financeiro internacional”, explica.
O Fórum Mundial da Água (FMA), que começou nesta quinta-feira (23) em Brasília, é um instrumento dos organismos internacionais, principalmente do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI).
O FMA foi criado em 1996 com esse caráter. Ele é dominado pelas transnacionais e pelo capital financeiro internacional e apoiado por governos privatistas. “O objetivo deles já está definido desde 1992, com a Declaração de Dublin sobre a Água e Desenvolvimento Sustentável que é de privatizar a água, transformá-la numa mercadoria para gerar lucro e especulação financeira com tarifas elevadas. Evidentemente, eles não revelam isso de forma clara. Usam um viés ambientalista e de escassez, tentando contabilizar o problema da água como se fosse culpa do povo e da natureza. É uma estratégia para manipular a opinião pública”.
Segundo ele, um exemplo concreto é que, no FMA, eles falam em compartilhar a água, mas estão proibindo a água. “Nós temos uma avaliação crítica quanto à expressão crise hídrica, o problema não é a seca, é a cerca. A crise que chamam de hídrica tem relação com a escassez de água, mas ela tem vários vieses. Quem são os maiores desmatadores no mundo? Não é o povo, são as grandes empresas e o agronegócio, as grandes corporações. Um exemplo recente é Correntina, na Bahia, em que os rios secaram devido à irrigação”, diz ele.
Outro exemplo é a Samarco, que causou um grande desastre e poluiu um rio inteiro. “E quem é o dono dela? A Vale e a BHP Billiton, gigantes da mineração, que, por sua vez, têm bancos internacionais como detentores”.
O Brasil tem cerca de 30% das águas subterrâneas do mundo, Alter do Chão e Guarani são os dois maiores aquíferos do mundo, o que chama a atenção das transnacionais.
“Defendemos que a água não é uma mercadoria, o povo tem que ser o dono. Ela deve ser fornecida pelo custo real de produção. Hoje há empresas estatais que dão aparência de que o Estado controla a água, como a Sabesp, que é 50% privatizada com ações na bolsa de Nova York e que dá prioridade aos acionistas e investidores. Defendemos empresas 100% públicas e com controle social”, diz.
Gilberto explica que é preciso abandonar essa lógica de gestão para o mercado, em que o lucro é todo transferido aos acionistas, não sobrando para investir. “Muitas estatais também têm essa lógica, repassando o lucro ao governo para pagamento da dívida pública e assim o dinheiro também cai no sistema financeiro. É preciso reinvestir em infraestrutura, em reservatórios, na qualidade da água, caso contrário o que se vê é sucateamento e grande perda de água. Na nossa avaliação, a tarifa seria muito mais barata se não tivesse todo esse esquema.