Voltar

Reforma Política e Comunicação – desafios ao Movimento Sindical

Lula foi eleito presidente da República em 2002, período em que a capacidade de mobilização e luta da classe operária e dos movimentos sociais estava em seu pior nível. De 1945 a 1964, tivemos um período de ascenso dos movimentos de massa e de organização da classe trabalhadora  que foi para a ofensiva, e construiu um projeto alternativo. Preocupada com uma derrota histórica, a classe dos capitalistas, se uniu com os militares e o capital estrangeiro dominado pelos Estados Unidos, e deram um golpe militar em 1964, para derrotar o projeto das reformas de base da classe trabalhadora brasileira. As reformas que Jango pretendia realizar teriam alterado profundamente a estrutura social e econômica no Brasil. Reforma agrária, educação pública de qualidade, desenvolvimento econômico com soberania. Daí resultou um longo período de derrota da classe e de refluxo das mobilizações que foi de 1964 a 1978.

Para analisar o caráter da elite brasileira, é necessário recordar Florestan Fernandes (1920-1995), um dos mais importantes cientistas sociais do Brasil, autor de estudos clássicos sobre a relação entre capitalismo, democracia e luta de classes no Brasil e que foi deputado constituinte, eleito em 1986, e reeleito para a Câmara dos Deputados em 1990, sempre pelo PT. Para Florestan, o Brasil é um exemplo de capitalismo dependente, ou seja, é produto de uma situação histórica em que o destino da sociedade fica submetido aos desígnios de burguesias que são incapazes de conciliar desenvolvimento econômico, soberania nacional e democracia.

A burguesia do capitalismo dependente é impotente para enfrentar o imperialismo e, internamente ao Brasil, onipotente para manipular as condições sociais, de trabalho e ambientais. Por ser impotente de um lado é que ela precisa ser onipotente de outro. A burguesia não sabe inovar, mas sabe mandar. Consolida-se como elite no Brasil num momento em que o capitalismo global já está dominado por poucas e gigantescas corporações transnacionais. Por isso, sem força diante destas empresas, a burguesia no Brasil faz opção por aliar-se subordinadamente a estes grupos e contra os interesses do povo, assumindo caráter anti-nacional, anti-social e anti-democrático.

A partir de 1978 a classe trabalhadora retoma as mobilizações e foi reconstruindo a unidade da classe em torno de um projeto democrático-popular. Reconstruíram-se as organizações sindicais combativas, a CUT, os movimentos sociais, o MST, a Central de Movimentos Populares (CMP), etc. Tudo isso foi acumulando forças, até que nas eleições de 1989, disputamos um projeto de sociedade com os capitalistas, mas formos derrotados, na eleição em que o Lula era o porta-voz desse projeto.

A elite no Brasil tem um caráter de antecipação muito acentuado. Por isso, conduziu o golpe de 1964, para antecipar-se às reformas de Jango, e conduziu a “abertura lenta, gradual e segura” que marcaria o fim da ditadura. O grande embate no início da década de 1980 foi entre esta “abertura” dirigida pela elite e o amplo movimento popular pelas “Diretas Já!”, que organizou comícios com milhões de pessoas em todo o Brasil entre 1983 e 1984, ano em que a reivindicação por eleições diretas para presidente foi derrotada no Congresso Federal.

Mas a campanha pelas “Diretas Já!”, mesmo derrotada, acumulou e aglutinou muita força popular. Tanta força que impulsionou reformas importantes inseridas na Constituição Federal promulgada em outubro de 1988 e levou Lula a quase ser eleito presidente da República em 1989, quando foi derrotado por pequena margem de votos pelo Fernando Collor.

A Constituição de 1988 também deve ser analisada pela derrotas da classe trabalhadora. Não conseguimos sustentar os itens que garantiriam reforma agrária, não conquistamos a redução de jornada para 40 horas, nem mecanismos que garantissem estabilidade no emprego contra a rotatividade. Por isso, a bancada de deputados constituintes do PT, que incluía Florestan e Lula, votou contra o texto final da constituição. Depois tivemos mais uma derrota significativa da classe, no campo sindical, com a derrota da greve nacional dos petroleiros, que foi massacrada pelos tanques na rua, lá colocados pelo governo FHC. Tudo isso produziu um refluxo no movimento de massas, que perdura até os dias de hoje.

Em 2002, o povo brasileiro elegeu Lula. Mas a vitória eleitoral foi insuficiente para a retomada da iniciativa da classe trabalhadora. Por isso, tivemos apenas um governo de composição de classes, composto por 14 partidos políticos, muitos da própria burguesia, e a classe trabalhadora não conseguiu ter um governo popular.

As manifestações de junho de 2013 são uma retomada da luta de massas, após o profundo descenso da década de 1980. A ofensiva neoliberal representou uma derrota mundial para a classe trabalhadora e, no Brasil, desmontou os 50 anos anteriores de desenvolvimento nacional, impulsionado pelo Estado. Os anos 2000 esboçaram propostas eleitorais contra o neoliberalismo que, em aliança com setores da burguesia interna, deram início ao “neodesenvolvimentismo”, gerando muitas contradições. A principal fagulha para o crescimento das mobilizações foi a solidariedade decorrente da repressão policial nas ruas.

A constituinte exclusiva para a reforma política é uma bandeira que mexe com o sistema de dominação político-burguesa. A juventude que foi às ruas manifestou insatisfação com o sistema político e aqui está o elo com as bandeiras do movimento sindical. A esquerda não pode vacilar, é momento de construção de unidade entre os movimentos de juventude e os sindicatos, em torno da Constituinte Exclusiva e Soberana do Sistema Político.

Estamos ainda vivendo um tempo histórico que foi resultado de um período de refluxo do movimento de massas, tempos de resistência, em que a classe trabalhadora está se reaglutinando e reconstruindo um projeto de unidade da classe, mas sem ter forças suficientes para retomar a ofensiva contra o  capital, e realizar  grandes mobilizações de massa  em torno de um projeto alternativo.

Em síntese, os governos Lula e Dilma cometeram quatro graves erros, que precisam ser debatidos, analisados em profundidade, para que destes e tirem lições para as próximas lutas:

  1. Lula e Dilma não utilizaram o Governo para organizar e conscientizar politicamente as massas, para torná-las base de sustentação das melhorias das condições de vida que foram implementadas a partir de 2003 e impulsionadoras das reformas estruturais que o País necessita. Por isso, há pesquisas que mostram que muitos jovens pobres que conseguiram entrar na Faculdade graças ao PROUNI são contra o programa Mais Médicos. E vice-versa.
  2. Lula e Dilma não construíram estratégia de enfrentamento das amarras que a burguesia mantém no Estado brasileiro (economia centrada no pagamento de juros para os muito ricos, Poder Judiciário contra as demandas do povo) e na mídia capitalista (Globo, Bandeirantes, SBT, Rede TV, etc).
  3. Lamentável ingenuidade ao usar e abusar do financiamento empresarial de campanhas eleitorais, em todos os níveis, de vereador a Presidente da República. Caixa 2 generalizado foi o que levou ao mal-chamado “mensalão” e a crise ética que abala hoje o PT, após ter permitido à direita abater e inviabilizar politicamente lideranças fundamentais do Partido, como José Dirceu.
  4. Ausência de estratégia de ação e de políticas específicas para os setores médios da sociedade. Isso prejudicou muito a relação do governo, especialmente do governo Dilma, com as categorias profissionais de mais elevada renda, como setores dos metalúrgicos, dos químicos e dos bancários, agravando o distanciamento da Presidente em relação ao Movimento Sindical.

Em relação à luta pela democratização da comunicação, não adiante ficar criticando a Globo, a Bandeirantes, porque atacam os sindicatos, o PT, a Dilma. Estas empresas estão cumprindo seu papel, fazendo o que se espera delas. Não leva a nada acusarmos o inimigo de estar agindo como inimigo. É preciso criar, fortalecer e difundir a comunicação dos sindicatos, do movimento social. São instrumentos de formação política, que é a síntese do conhecimento histórico, de como se move a sociedade, de como acontece a luta de classes. É a democratização do conhecimento entre a militância, a base social e a população em geral. Sem conhecimento, ninguém acumula forças. E a formação política pode acontecer de muitas formas. Desde seminários, cursos intensivos, debates, assim como através de meios de comunicação próprios. Por isso que a classe trabalhadora precisa ter seus boletins, jornais, programas de radio, e de televisão: para usar esses instrumentos de comunicação de massa, como formas de fazer formação política para as massas.

O ponto fraco do cerco que a direita está montando contra o governo e contra os sindicatos é o sistema político. O povo brasileiro quer mais participação política e nós, da esquerda, do movimento popular e sindical, temos isso a oferecer, através da campanha pela Constituinte. A participação forte dos Sindicatos na campanha motiva outros movimentos a virem junto e reforça a necessidade de alterações no sistema político para garantir ampliação de direitos sociais e trabalhistas”. Reforça-se aqui a tática da transformação proposta por Florestan Fernandes: “contra a intolerância dos ricos, a intransigência dos pobres.”

A Iniciativa Popular de Lei pela Reforma Política Democrática e Eleições Limpas (que ganhou na Câmara dos Deputados a forma do PL 6316, de 2013, assinado por 125 parlamentares) está tramitando em conjunto com outros 42 Projetos de Lei que abordam os mesmos temas. A vinda da Coalizão à Câmara dos Deputados, trazendo cerca de 630.089 assinaturas físicas e 94.285 eletrônicas, não interessou à maioria dos parlamentares e não repercutiu nos debates do Plenário. O número de assinaturas recolhidas é significativo, mas é necessária mais intensa mobilização, de forma a atingir a meta de um milhão de assinaturas antes do final da tramitação dessas proposições. Assim, o Projeto de Reforma Política Democrática ganhará força dentro do Parlamento. A proposta da Coalizão Democrática é a mais bem feita (inclusive juridicamente) para conquistarmos uma transformação do sistema político e eleitoral brasileiro, livrando-o da captura pelo poder econômico e possibilitando que as maiorias sociais se tornem maiorias políticas.

A classe trabalhadora exerce sua força política na sociedade e perante os capitalistas quando tem forças  de mobilizar grandes  contingentes e ir para a rua, fazer greves, mobilizações. Nossa força está no número de pessoas que conseguirmos mobilizar em torno de propostas e projetos. Uma decisão de parar a produção na indústria química tem forte impacto na economia nacional. Por isso, os Químicos do ABC estão em lugar decisivo nesta quadra da História.

(Texto elaborado como subsídio aos delegados/as ao 12º. Congresso dos Químicos do ABC a partir da contribuição de Ricardo Gebrim, advogado, membro da coordenação nacional da campanha pela Constituinte Exclusiva e Soberana do Sistema Político e do conselho editorial do Jornal Brasil de Fato e ex-presidente do Sindicato dos Advogados do Estado de São Paulo, em palestra realizada no auditório do Sindicato dos Químicos do ABC no dia 8 de junho de 2015)

Thomaz Ferreira Jensen

Thomaz Ferreira Jensen |
economista, assessor técnico do DIEESE