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02 de Fevereiro de 2018

Atos de exceção no Judiciário são arma política contra a esquerda e os menos favorecidos


Escrito por: Fetquim


Fetquim
Crédito: FPA

O processo que resultou na condenação em 2ª instância do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi duramente criticado por três professores de Direito durante debate promovido na noite de ontem (1º) pela Fundação Perseu Abramo, vinculada ao PT, na sede da entidade, em São Paulo. Eles alertaram para os absurdos jurídicos e atos de exceção usados para desmoralizar a esquerda e incriminar os menos favorecidos.

Juarez Cirino dos Santos, da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e coordenador do Instituto de Criminologia e Política Criminal (ICPC) classificou o uso de um suposto elemento de prova de outro caso contra lula como "loucura jurídica" . "Ou a ciência penal é uma arte de loucos", completou.  "Eles" (os acusadores) têm essa imensa dificuldade" de obter provas que incriminem o ex-presidente. "Porque Lula não praticou (ato ilícito), não recebeu (vantagem indevida), não solicitou... Como é que vai provar um fato que não existiu?", destacou.

Professor de Filosofia do Direito na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Thomas Bustamante, disse que a Operação Lava Jato não começou dessa maneira, mas se transformou em um "grande processo político" que comprometeu o Estado de direito. Para ele, a operação deixou ter a corrupção como objetivo, com foco na Petrobras e empreiteiras. "Dallagnol e Moro (o procurador da República Delton Dallognon e o juiz federal Sérgio Moro) viram-se como protagonistas de um processo político", afirmou,defendendo que a atuação de ambos deveria impedi-los de prosseguir no caso.

"Moro começou a ser o grande protagonista do processo judicial e começou a atuar seletivamente, pinçando investigações, pinçando depoimentos. Eram atuações direcionadas", afirmou Bustamante, para quem o juiz escolheu o PT como alvo de suas investigações.

Espetáculo midiático

Ele considerou a divulgação "criminosa" de conversas envolvendo Lula, a ex-primeira-dama Marisa Letícia e a ex-presidenta Dilma Rousseff como "o mais grave ato de intromissão" no Poder Executivo desde a Constituição de 1988, e na semana em que Dilma seria julgada. "Até os opositores de Dilma sabem que não havia crime de responsabilidade", disse o professor. "Moro não só violava a lei, mas contorcionava a lei, dependendo da ocasião."

Ele acredita que Moro pôs os juízes contra a sociedade. "Não sei como, ele conseguiu colocar qualquer ataque a ele como um ataque à magistratura. A suposta propriedade do apartamento em Guarujá, no litoral sul paulista, não foi provada, diz Bustamante, que vê no acordão do TRF4 uma "fábula jurídica". 

O professor de Direito Constitucional, Pedro Serrano, da PUC-SP, fez um percurso histórico sobre  os mecanismos de poder e discursos midiáticos que fazem perder "a referência do concreto". Segundo ele, o sistema judiciário passou a ser o responsável por um "sistema de exceção", com "atos específicos, mais cirúrgicos, de suspensão dos direitos das pessoas". Um processo em que "a pessoa é transformada em inimigo". 

Aparência democrática

 Serrano explicou que a partir dos anos 1990 começou a surgir uma "jurisprudência de exceção", para crimes de tráfico, iniciando uma espécie de flexibilização dos mecanismos de prova, especialmente contra os menos favorecidos. De lá para cá, apontou, quadruplicou o número de presos no país e o número de mortes violentas passou de 6 mil para 60 mil por ano, em um trajetória inversa à da universalização dos direitos sociais previstos pela Constituição de 1988.

"A lógica da medida da exceção é ter uma aparência democrática com um conteúdo liquefeito, isto é, autoritário", pontuou Serrano, definindo "fraude" como um ilícito com aparência de licitude e com a mesma "intensidade autoritária" de uma ditadura, por exemplo. Assim, dá-se um "processo penal de exceção com aparência de cumprir as leis", usando o próprio Estado de direito, a democracia e os direitos humanos para acabar com esses valores. "Não foi a Lava Jato que criou essas coisas, isso vem sendo gestado há algum tempo", completou.

Atos indeterminados= inexistência de provas, inocência

Serrano afirma categoricamente que não existe um "caso penal" no processo de Lula. Segundo ele, a acusação foi alterada: deixa de ser receber uma vantagem em troca de um benefício, mas em troca de atos indeterminados. "Ato indeterminado significa o quê? Ato inexistente. Isso é impossível no nosso sistema penal", criticou o professor. "Não se trata apenas de não haver prova. Há prova de inocência nos autos", acrescentou. "É uma decisão bárbara (no sentido de barbárie)", definiu.

Ele acredita que o sistema legal vem diminuindo os mecanismos de proteção do cidadão, aumentando o poder do Estado, "irrefreável, um poder selvagem".  No caso de Lula, segundo ele, "há  uma alteração da acusação na hora de condenar, criando uma norma penal que não existia e deixando de levar em consideração o que havia no processo".

Para Serrano, o julgamento de Lula teve sentidos jurídico, político e ideológico, na medida em que desviou a atenção para as medidas do governo que afetam o país, como a "reforma" trabalhista e o que ele chamou de "destruição do capitalismo local". O professor falou ainda que está em construção um novo modelo de gestão política, "uma democracia limitada e controlada, de centro-direita". E que a "voz do comando de exceção" vem da mídia, alertou.